Quem acompanha o trabalho de Felipe Guerra sabe que ele,
além de cineasta, é um misto de admirador, incentivador e estudioso do gênero
fantástico no cinema, indo de clássicos do estilo até as mais excêntricas
obscuridades e tranqueiras do gênero. Assim, um filme como o documentário “Deodato
Holocaust” (2019) serve não apenas como uma interessante amostragem da carreira
artística do cineasta italiano Ruggero Deodato como também evidencia essas
diferentes facetas do próprio Guerra. A escolha narrativa de priorizar como fio
condutor um longo depoimento de seu protagonista é arriscada, pois poderia
fazer com que o longa tivesse um caráter estritamente histórico e jornalístico.
Guerra evita que seu filme caia nessa armadilha ao usar uma edição que sabe
conciliar com uma dinâmica inteligente trechos com declarações contundentes de
Deodato e expressivas imagens de arquivos e dos filmes mencionados pelo
diretor. Além disso, a entrevista ainda consegue evitar a simples enumeração de
fatos e datas, fazendo com que seu protagonista profira declarações que variam
entre confissões existenciais e artísticas e um misto de ironia e desafio na
forma com que Deodato enfrenta os pontos mais polêmicos levantados nas
perguntas feitas por Guerra e equipe (principalmente no que diz respeito à toda
controvérsia que envolveu a realização e lançamento de “Canibal holocausto”). E
no que era para ser um simples documentário biográfico de um diretor, a obra
destaca de maneira sutil um subtexto que faz o retrato de uma geração de
artistas que desenvolveram seus trabalhos dentro dos ditames comerciais e
estéticos da época (anos 60 e 70 e primeira metade dos 80), mas que preservaram
um senso artístico particular, herdeiro da influência de alguns mestres que os
antecederam e com quem até mesmo trabalharam (Dario Argento, Mario Bava e
Deodato foram colaboradores, respectivamente, de Sergio Leone, Federico Fellini
e Roberto Rossellini).
Nenhum comentário:
Postar um comentário