sexta-feira, novembro 26, 2010

A Suprema Felicidade, de Arnaldo Jabor ***1/2


Confesso que nunca fui grande apreciador de Arnaldo Jabor como cronista. Ele sempre me pareceu um sub-Nelson Rodrigues (justo ele, o melhor tradutor do universo nelsonrodrigueano para o cinema). E isso era uma decepção para mim, pois como cineasta Jabor era um artista bastante inquietante. Sua volta para trás das câmeras em “A Suprema Felicidade” (2010), depois de mais de 25 anos sem filmar, revela uma forte coerência formal e temática com sua filmografia. O naturalismo nunca foi o foco principal no estilo de Jabor – ele sempre pendeu mais para narrativas carregadas de simbologias e exageros formais. Nesta sua obra mais recente, as características mencionadas se chocam com uma trama memorialista com tintas autobiográficas. A trama não obedece a uma ordem linear de fatos – há idas e vindas constantes nos planos temporais, o que junto a uma certa caracterização grotesca de situações e personagens, faz de “A Suprema Felicidade” uma obra meio delirante. Essas opções de Jabor, por mais incômodas que pareçam ao olhar do espectador, acabam se mostrando acertadas por estarem em sintonia com a situação de que estamos vendo os fatos pela ótica de uma criança/adolescente/jovem, visão essa que sempre traz uma dose de fantasia, o que possibilita a Jabor uma série de ousados voos estéticos que extrapolam no barroco, com destaque para a sequência em que o protagonista Paulo visita um bordel que parece vindo direto de um sonho (ou pesadelo). Mesmo a reconstituição de época obedece muito mais a uma lógica advinda de impressões do imaginário infantil/juvenil do que a uma suposta fidelidade histórica.

Perturba também em “A Suprema Felicidade” que a viagem memorialista de Jabor não caia em lugares comuns nostálgicos ou saudosistas. Pelo contrário – predomina no filme um tom que varia entre o pessimista/amargo e a serenidade/resignação, conflito esse de sentimentos ambíguos que encontra a síntese exata na figura do avô de Paulo (Marcos Nanini, em notável atuação dramática distante dos seus habituais papéis cômicos). Jabor começa “A Suprema Felicidade” com fugazes momentos de contentamento para seus personagens (sexo, celebrações, união familiar). Ao longo da trama, entretanto, disseca as ilusões de suas criaturas e joga o espectador num mar de frustrações e desencantos. Assim, a ironia do título filme acaba encontrando respaldo nas palavras do mencionado personagem vivido por Nanini, que diferencia alegria e felicidade e constata que apenas por alguns breves minutos foi feliz em sua vida. Tal momento resume com fidelidade a beleza melancólica e desajeitada de “A Suprema Felicidade”.

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