sexta-feira, janeiro 03, 2014

Morro dos prazeres, de Maria Augusta Ramos ***1/2


Na sequência inicial de “Morro dos Prazeres” (2013), um grupo de crianças da comunidade que dá título ao documentário brinca de polícia e ladrão num casebre abandonado. A tradicional brincadeira, entretanto, ganha uma outra dimensão no seu desenvolvimento: o que se vê na tela é uma encenação da relação entre policiais e bandidos que se dá diariamente nos morros cariocas, onde a polaridade bem/mal perde o sentido em meio a achaques, corrupção e tortura. Essa abertura do filme é uma bela síntese dos dilemas estéticos e temáticos que permeiam “Morro dos Prazeres”. Por mais que entre os objetivos da diretora Maria Augusta Ramos esteja o registro do cotidiano de uma comunidade ocupada por uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), é inegável que de forma constante a impressão de que todos interpretam um papel, que reproduzam arquétipos da sociedade. E por mais artificiosa que possa ser tal concepção formal para um documentário, também é evidente que mesmo assim a produção consegue transmitir uma verdade contundente – a da discrepância entre o conteúdo do discurso oficial das autoridades com a realidade fática daquele microcosmo. Dentro de tal linguagem cinematográfica mais sofisticada, também salta aos olhos um trabalho de edição e fotografia ainda mais acurado que nos trabalhos anteriores da cineasta. Alguns enquadramentos impressionam bastante por saber explorar com precisão tanto as vielas e becos labirínticos e sufocantes quanto as amplas paisagens do Rio de Janeiro que se pode contemplar do alto daquele morro, num forte contraste entre beleza e feiúra. E na sequência do baile funk, a montagem oferece um ritmo tenso e por vezes eletrizante na alternância que faz entre o ambiente sórdido e hedonista da festa com a ação militar minuciosa e soturna dos policias que rondam a localidade.

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