segunda-feira, janeiro 13, 2014

Ninfomaníaca - Volume 1, de Lars Von Trier ****



O início de “Ninfomaníaca – Volume 1” (2013) é espartano e quase didático ao expor, ainda que de forma elíptica, as intenções do diretor Lars Von Trier: a primeira cena é o crédito com o título do filme e logo depois a tela fica totalmente escura, como se o cineasta quisesse que o espectador descanse os olhos antes da profusão de imagens, sons e ideias que aparecerão ao longo de duas horas e pouco de duração. Por mais que mídia, crítica e público ressaltem o elemento provocativo e escandaloso do filme, a verdade é que essa produção mais recente de Von Trier está em perfeita sintonia existencial e artística com os trabalhos mais recentes dele, no sentido de que suas obras representam a conjunção entre a suas particulares noções formais com uma temática que refletem a visão de mundo, por vezes distorcida e em outras lúcida, do diretor. Assim, se “Anticristo” (2009) escancarava uma misoginia atávica e “Melancolia” (2011) era a transmutação da depressão em profissão de fé misantrópica, “Ninfomaníaca” é a declaração irônica de Von Trier sobre a sua descrença no amor romântico. Para isso, ele apura ainda mais a sua estética, fazendo com que a narrativa revele distanciamento emocional contundente, aliado a uma concepção formal que combina cerebralismo e estranhas simbologias. Assim, ao passo que Joe (Charlotte Gainsbourg) narra a sua saga psicoerótica a Seligman (Stellan Skarsgard), tem-se uma trama ambiciosa que relaciona a jornada de sexo compulsivo da protagonista a conexões esperadas (noções morais do cristianismo e dos ideais ocidentais do amor romântico) e outras até improváveis (música, numerologia e até mesmo pescaria!!), com Von Trier amarrando todos esses preceitos tão diversos num todo de coerência desconcertante. Assim como em suas obras anteriores, o estilo de filmar dele é de uma amplitude notável, indo desde uma abordagem seca e de tons naturalistas em cenas cruciais (evocando muito dos princípios que ele lançou no movimento Dogma 95) até passagens repletas de barroquismos e delírios visuais. Essa variação de estilos encontra ressonâncias nos próprios episódios narrados por Joe, pois se chega a um ponto em que as fronteiras entre o que é real e fantasia em tais relatos se tornam bastante imprecisas. Mas tudo o que é escrito neste texto ainda é impreciso e resumido na captura do sentido de “Ninfomaníaca” tamanha a gama de detalhes que emana do filme. Como não citar, por exemplo, a forma natural com que a música de Bach (notoriamente sacra) se insere na narrativa, ilustrando as formas distintas com que Joe transa com três amantes diferentes, emulando, inclusive, uma beatitude inesperada e mais que convincente? É justamente nessas perversidades e nuances que “Ninfomaníaca – Volume 1” causa impacto nas percepções e não tanto na forma explícita com que o sexo é encenado (nesse sentido, por mais que a sensualidade emane em tais momentos, o que se propaga também é uma combinação de morbidez e existencialismo).

Talvez tudo que tenha sido aqui comentado sobre “Ninfomaníaca – Volume 2” também seja incompleto, pois como o título faz presumir ainda há uma segunda parte a se assistir. Ainda assim, esse capítulo inicial das estripulias de Joe é mais um trabalho memorável na expressiva filmografia de Von Trier tanto por oferecer uma ótica original e sarcástica sobre a sexualidade nesses tempos loucos em que vivemos como por ser mais uma oportunidade de se ver nas telas as idiossincrasias estéticas de um dos diretores mais autorais do cinema contemporâneo.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

A sequencia onde surge a personagem de Uma Thurman é desde já magistral. Eu fui no cine moinhos e a sala simplesmente lotou