Um dos focos principais na temática de “A longa caminhada”
(1970) é bastante claro: o confronto e as contradições na relação entre a
civilização urbana e a natureza selvagem a um ponto em que as próprias noções
de civilidade e violência se confundem. A narrativa concebida pelo diretor
Nicolas Roeg para ilustrar tais dilemas fogem do óbvio. Por mais que se
questione as regras comportamentais e hipocrisias do homem moderno nas grandes
metrópoles, em nenhum momento dá para dizer que a visão do filme sobre a
natureza é idealizada e maniqueísta – esta é vista tanto sob um ângulo de
encanto quanto por uma perspectiva de mistério e brutalidade. Por mais que esse
conflito homem versus natureza já tenha sido diversas vezes explorado na
literatura ou cinema, poucas vezes recebeu um tratamento de tamanha crueza e
poesia quanto em “A longa caminhada”. Roeg sugere um olhar que busca mais
sensações atávicas do que um racionalismo a explicar as ações e reações
nebulosas de seus personagens. Os particulares códigos de condutas do aborígine
que salva e conduz dois irmãos pelo inóspito deserto australiano são tão difíceis
de decifrar quanto as atitudes homicidas (e suicida) do elegante inglês que
tenta matar seus filhos (os referidos irmãos). Mais do que buscar soluções fáceis
para os enigmas do filme, para Roeg é mais interessante a construção de uma estranha
atmosfera que combina erotismo, morbidez, violência e contemplação. Sua encenação
e seu registro audiovisual possuem uma coesão notável ao adotar tanto um estilo
documental e de distanciamento emocional quanto uma estética que emula um
onirismo desconcertante.
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