quinta-feira, abril 30, 2015

Dois dias, uma noite, de Jean-Pierre e Luc Dardenne ***1/2


Não há como ver e analisar a produção franco-belga Dois dias, uma noite (2014) sem a contextualizar com a realidade atual da Europa: a crise econômica, o desemprego, o culto ao individualismo, o crescente aumento de depressivos na população. Mas o filme dos irmãos Dardenne não se limita a fazer um simples e didático comentário sociológico sobre tal panorama. Os diretores constroem um filme atemporal que se configura como um preciso e emocionante conto moral pontuado por surpreendente toque otimista (em sintonia imediata com o trabalho anterior deles, O garoto da bicicleta). A concepção formal é a mesma de boa parte de sua filmografia: um registro áspero e naturalista, que atualiza de forma bastante particular alguns dos principais preceitos neo-realistas. Tal estética é o complemento exato para uma trama cujo subtexto é repleto de contundente humanismo. A odisséia da protagonista Sandra (Marion Cottilard) na sua busca por manter o emprego aos poucos e de forma sutil vai ganhando conotação simbólica cada vez mais forte: ao mesmo tempo em que ela se expõe a indiferença, egoísmo e até mesmo violência física, acaba também despertando em algumas pessoas sentimentos esquecidos ou reprimidos (solidariedade, esperança, generosidade). Ou seja, mais do que expor a hipocrisia e mesquinhez da sociedade, a personagem mostra que ainda há espaço para a sensibilidade nos indivíduos em meio a tempos tão conturbados. Se para alguns tal discurso pode parecer ingênuo, é de se convir, entretanto, que tal visão dos Dardenne em Dois dias, uma noite tem um caráter desafiador perante uma conjuntura tão complexa quanto a da Europa nos dias presentes.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Um dos melhores filmes desse inicio de ano. Visitem o meu blog de cinema: http://cinemacemanosluz.blogspot.com.br