quarta-feira, agosto 28, 2013

A religiosa, de Jacques Rivette ****


A relação entre cinema e literatura atinge um estágio bastante singular na versão para as telas concebida pelo diretor francês Jacques Rivette para “A religiosa” (1966), baseada no texto original de Denis Diderot. O cineasta não envereda por uma direção tão precisa – o filme tanto preserva e ressalta uma linguagem muito próxima da literária, mas também traz uma estrutura narrativa cujo sentido é bastante próprio de um meio de expressão particularmente cinematográfico. O que pode parecer, então, uma certa esquizofrenia formal se revela como uma estética ousada e envolvente. Rivette preserva aquilo que a trama teria de mais básico e extrai a essência daquilo que eterniza a escrita de Diderot: a combinação intrínseca entre dramatismo e ironia, o distanciamento emocional que se aproxima do sarcasmo, a crítica ácida das instituições religiosas. É como se o livro fosse descarnado, reduzido a um sentido primordial, e nesse processo o próprio cinema de Rivette adquirisse uma contundente concisão. Dessa forma, prevalece um rigor que se estende pelos principais pilares de “A religiosa”. A direção de arte é espartana, as composições dramáticas do elenco são concentradas em definições exageradas em detrimento de psicologismos detalhados, montagem e roteiro se relacionam numa narrativa elíptica (é como se um livro fosse lido com algumas páginas arrancadas). E nessa adaptação que se esgueira entre a fidelidade e a transgressão, Rivette parece desconstruir sutilmente alguns cânones até do gênero dos filmes de época. Assim, a produção acaba soando perturbadora tanto para carolas pelo seu forte teor anticlerical quanto para aqueles apreciadores de um cinema mais comportado.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Queria muito ter visto esse na mostra que teve na Usina.