segunda-feira, abril 20, 2015

Cinderela, de Kenneth Branagh ***1/2


Dentro da relação entre cinema e contos de fadas, há uma tendência na atualidade de boa parte das produções em fazer uma espécie de revisão contemporânea sobre as narrativas fabulares tradicionais. Dentro desse conceito, em pretensa sintonia com um olhar mais iconoclasta e pós-moderno, tais obras dedicariam um viés adulto, sombrio, naturalista ou psicológico/psicanalítico sobre aquelas velhas histórias que nos são contadas desde a infância. Essa releitura “madura”, entretanto, na grande maioria dos filmes, só fica nas intenções, com um resultado final que se mostra muito mais simplório e descartável do que as histórias originais em que se basearam. Isso fica evidente em trabalhos como “Alice nos país das maravilhas” (2010), na versão de Tim Burton, e “Branca de Neve e o caçador” (2012). Em “Cinderela” (2015), a concepção autoral dispensa esse tom de revisionismo. O diretor Kenneth Branagh investe numa abordagem tradicional do gênero, com todos os aparentes maniqueísmos e idealizações românticas que a história da gata borralheira costuma ter. Isso não quer dizer que a obra não se permita ousadias e mesmo a ter um aguçado subtexto. A experiência de Branagh em rigorosas adaptações de Shakespeare para o cinema se manifesta de forma vigorosa (coisa que ele não tinha conseguido fazer no primeiro “Thor”): a encenação e a montagem oferecem uma notável dinâmica narrativa, a direção de arte e as trucagens digitais combinam criatividade visual e bizarrias gráficas memoráveis, a direção de elenco extrai algumas atuações bastante expressivas, com destaque para a encantadora delicadeza de Lily James no papel-título e o histrionismo bem dosado de Cate Blanchett (parece que ela nasceu para fazer a madrasta malvada). Coroando as boas escolhas estéticas de Branagh, há um roteiro muito bem delineado, que entrelaça de forma natural aventura e romance com nuances humanistas surpreendentes – ao se analisar algumas sutilezas da trama, pode-se observar que o foco principal não está na história de amor de Cinderela e seu príncipe, mas sim na relação de abnegação e tolerância da personagem principal com o mundo que a cerca. Seguir o mantra “seja corajosa e gentil” para a protagonista não é apenas uma ordem moralista. Significa também a possibilidade de sobrevivência e resistência dentro de um ambiente de opressão. Colocar um dilema existencial complexo como esse dentro de uma produção infantil de maneira fluente e sutil é um dos principais méritos de Branagh em “Cinderela”.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu honestamente não tenho muita fé nesta nova adaptação, mas só vi na programação HBO e adorei. É um conto emblemático da Disney e eu acho que eles fizeram um ótimo trabalho com esse filme. O traje de Cinderella é incrível.