A relação artística entre Ruy Guerra e Chico Buarque é longa
e prolífica. Principalmente nos anos 70, rendeu algumas canções e peças teatrais
memoráveis. Assim, o cineasta adaptar um livro do cantor e compositor pareceu
uma consequência natural. O resultado final, “Estorvo” (1998), está bem
distante de ser uma obra-prima, mas ainda assim revela perturbadoras inquietações
criativas. Para começar, a síntese entre cinema e literatura na produção não se
conjuga de forma tão fluida e natural –Guerra não se mostra interessado em
somente adaptar a trama da obra literária dentro de uma linguagem
cinematográfica convencional. Ele parece obcecado pela palavra, pela nuances do
texto, e procura encaixar a sonoridade do discurso dentro de um fluxo sensorial
marcado pelo lirismo e sordidez. A sucessão daquilo que ocorre na tela obedece
a um pensamento desordenado e fragmentado do protagonista (Jorge Perrugoria),
fazendo com que a estética e a atmosfera do filme se guiem por uma lógica de
subjetividade que por vezes beira o delirante. A abordagem naturalista é
evocada de vez em quando na narrativa, mas logo é manchada por um
desordenamento formal e existencial predominante na visão artística do diretor.
As escolhas de Guerra não são gratuitas, pois na confusa saga do personagem
principal se escondem lúcidos questionamentos sócio-políticos-intimistas que
desembocam em soluções formais e temáticas desconcertantes. A jornada narrativa
de “Estorvo” é irregular e difícil, mas em sua conclusão a impressão é que ela
ficará grudada em nosso imaginário como uma lembrança entre o incômodo e o
prazeroso.
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