quarta-feira, maio 15, 2019

A sombra do pai, de Gabriela Amaral Almeida ***1/2


Apesar de ter apenas dois longas-metragens em seu currículo como diretora, pode-se observar nessa ainda breve filmografia de Gabriela Amaral Almeida uma notável coerência artística-existencial. Ambas as obras, “O animal cordial” (2018) e “A sombra do pai” (2019), vinculam-se ao gênero horror, mas com sutis e decisivas diferenças. Se o primeiro filme se estrutura como um tenso suspense psicológico a retratar em seu subtexto a desagregação ética e intelectual da classe média brasileira, no trabalho mais recente da cineasta a abordagem narrativa se desenvolve dentro do universo fantástico para fazer uma radiografia pungente e melancólica da opressão sócio-econômica sobre as camadas mais desfavorecidas da sociedade nativa. É fascinante como “A sombra do pai” concilia de maneira fluente os preceitos narrativos típicos do tradicional horror sobrenatural, com direito a citações explícitas a “A noite dos mortos-vivos” (1968) e “Cemitério maldito” (1989), com elementos temáticos e estéticos do sincretismo religioso e cotidiano brasileiros (nesse sentido, não há como não lembrar do extraordinário “Quando eu era vivo”, obra em que Gabriela era também roteirista). Nessa combinação de influências diversas, ainda que o filme traga alguns memoráveis momentos assustadores na caracterização de almas penadas e situações de magia negra, fica evidente que na visão da obra a efetiva ação de uma força “das trevas” está no processo de desumanização e embrutecimento das classes trabalhadoras diante de uma rotina laboral de exploração econômica e alienação que as converte em uma massa de zumbis desolados e suicidas. Ainda assim, “A sombra do pai” consegue oferecer de maneira comovente alguma esperança em sua bela conclusão de tom fabular e teor desafiador contra o ordenamento burguês-cristão.

Um comentário:

Frequência Global 451 disse...

Ver um blogue resistir por mais de uma década é de uma admiração por mim gigantesca. Parabéns por continuar com o trabalho de análise dos filmes e por compartilhá-las neste vasto universo da internet.