No terreno das refilmagens, poucas obras podem ser
consideradas como verdadeiras recriações tais como a recente versão de “Suspiria”
(2018). Se o filme original dirigido por Dario Argento, lançado em 1977, era
uma combinação brilhante de violento terror gráfico e barroquismo beirando o
delirante, aliada a um roteiro que respeitava a tradicional divisão maniqueísta
entre o bem e o mal (nesse último caso, representado na figura das
feiticeiras), na revisão do cineasta Luca Guadagino permanece um formalismo de
forte caráter virtuosístico, mas o horror agora recebe uma forte conotação de
simbologias sócio-políticas. O papel das bruxas ainda é a de antagonistas,
ainda que se contextualizando em aspectos existenciais mais complexos. A trama
é inserida em um conturbado contexto local-histórico – a Alemanha de meados dos
anos 70 tomadas por manifestações estudantis em prol de grupos terroristas. Se
tais organizações eram vistas por alguns como legítimas contestações ao
ordenamento burguês-cristão-patriarcal da sociedade ocidental, as bruxas que
comandam uma academia de dança moderna em Berlin acabam ganhando de maneira
perversamente sutil (e cortante) essa conotação de desafio à ordem vigente. Sem
simplificar essas questões histórico-políticas, o filme faz um inventário
artístico-temático sensível e contundente de fatos decisivos na formação
cultural do século XX – 2ª Guerra Mundial, Guerra Fria, contracultura –
evidenciando para a humanidade um período em que os conflitos armados, a
exploração sócio-econômica e a opressão religiosa-comportamental criaram um
ambiente de paranoia e violência (com reflexos que sentimos até os dias de
hoje). Guadagnino ainda aproveita as possibilidades criativas de boa parte da
história se desenvolver em uma academia de dança expondo na tela sequências
luxuriantes e perturbadoras de balés coreografados com precisão e originalidade
atordoantes. Nesse sentido, a síntese entre dança e horror faz lembrar outra
obra extraordinária lançada recentemente, “Clímax” (2018). É claro que a
particular concepção artística engendrada por Guadagnino provocou repulsa em
boa parte dos apreciadores do longa de Argento e mesmo de fãs de terror convencional,
mas o que realmente frustraria seria tentar adaptar a obra original mimetizando
preguiçosamente maneirismos estéticos e textuais de quarenta anos atrás. Nesse
sentido, a visão autoral de Guadagnino na verdade também serve para atestar a
atemporalidade do filme de Argento mostrando a impossibilidade de apenas tentar
repetir aquilo que já havia sido feito com brilhantismo nos 70.
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