quarta-feira, junho 05, 2019

Mormaço, de Marina Meliande ***


Não há como não traçar paralelos entre “Mormaço” (2018) e “A sombra do pai” (2018). Ambas são obras dirigidas por mulheres que enveredam para o gênero fantástico visando configurar alegorias sócio-políticas do Brasil contemporâneo. Se no filme de Gabriela Amaral Almeida há a predominância de um viés intimista, no longa dirigido por Marina Meliande a trama abarca um espectro maior, focalizando as ações do governo carioca para desalojar várias famílias de seus lares para executar as obras das Olimpíadas de 2016 e a contrarreação de populares para evitar tais despejos. Ainda que bem-intencionadas e louváveis, as sequências de caráter mais realista a focalizar discussões em gabinetes e tribunais e enfrentamentos físicos entre agentes da segurança e moradores por vezes têm uma fluência narrativa e mesmo encenação mais truncadas, pouco fluidas. O filme de Meliande realmente transcendo quando parte para uma concepção estética-temática que sintetiza teor imagético simbolista e horror metafísico, principalmente no terço final da narrativa, quando a doença de pele da protagonista Ana (Marina Provenzzano) se acentua e a personagem entra em um processo de fusão com o prédio deteriorado onde mora. O subtexto é claro e perturbador – a dissolução física de Ana corresponde à deterioração moral-ética da própria capital carioca, em que o antigo e tão decantado Rio de Janeiro marcado por um imaginário gentil e poético dá lugar a uma metrópole desumana e implacável contra aqueles sócio-economicamente fragilizados, em um retrato metafórico que serve também como moldura exata para o Brasil pós-golpe parlamentar.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

"Mormaço" escancara o horror que as elites desse país provocam, dos quais atingem em cheio os brasileiros e que nenhum outro mostro clássico do cinema criaria tamanho estrago. Veja a minha analise completa no meu blog de cinema. https://cinemacemanosluz.blogspot.com/2019/05/cine-dica-em-cartaz-mormaco-progresso.html