Não deixa de ser irônico que justamente no período em que o
diretor norte-americano Martin Scorsese entrou em conflito com fãs e
profissionais da indústria cinematográfica por criticar a hegemonia comercial e
cultural dos filmes de super-herói na atualidade apareça uma produção tendo
como protagonista o principal rival do Batman e que se mostre bastante
influenciada em termos temáticos e narrativos em dois célebres filmes do mesmo
Scorsese, “Taxi driver” (1976) e “O rei da comédia” (1982). E ainda mais
curioso é que tal obra se torne uma das mais comentadas do ano, seja um
tremendo sucesso de bilheteria e ganhe importantes prêmios em festivais e
votações da crítica especializada. Nesse contexto, talvez o grande mérito (ou
sorte) de “Coringa” (2019) seja o fato dessa produção dirigida por Todd
Phillips captar um certo zeitgeist contemporâneo, ainda que um tanto por vias
tortas e também em alguns momentos reproduzindo uma ótica existencial-política
simplória. Na realidade, a percepção de que haja personagens clássicos da DC na
trama revela uma certa tendência a forçar a barra por parte dos roteiristas,
tendo em vista que o roteiro mostra tendência para o comentário social e para a
tensão psicológica-intimista que poderia retratar a vida de qualquer um de uma
multidão de pobres coitados vítimas da opressão social e indiferença afetiva
típicas da sociedade ocidental capitalista do mundo atual. É como se personagens
como o Coringa e Thomas Wayne fossem jogados ali na trama de uma forma
arbitrária apenas para dar uma satisfação para o público ávido por mais um
filme de super-herói. Passando por essa impressão incômoda, entretanto, o filme
de Phillips até é bem envolvente por vezes, principalmente pela dinâmica narrativa
engendrada pelo cineasta e pela interpretação à flor-da-pele de Joaquin
Phoenix. Dá até para perdoar um pouco a visão reacionária do filme ao reduzir a
revolta e desejo de mudanças de boa parte da população por uma sociedade mais
justa como simples combustível para revoltas caóticas e violentas.
Um comentário:
Não assisti. Mas é divertido ver as análises desse filme por aí. Coringa é acusado de tudo por todos. É reacionário para os esquerdistas, e esquerdista para os direitistas. O próprio Coringa provavelmente ficaria encantado com as reações.
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