quinta-feira, fevereiro 06, 2020

Coringa, de Todd Phillips ***


Não deixa de ser irônico que justamente no período em que o diretor norte-americano Martin Scorsese entrou em conflito com fãs e profissionais da indústria cinematográfica por criticar a hegemonia comercial e cultural dos filmes de super-herói na atualidade apareça uma produção tendo como protagonista o principal rival do Batman e que se mostre bastante influenciada em termos temáticos e narrativos em dois célebres filmes do mesmo Scorsese, “Taxi driver” (1976) e “O rei da comédia” (1982). E ainda mais curioso é que tal obra se torne uma das mais comentadas do ano, seja um tremendo sucesso de bilheteria e ganhe importantes prêmios em festivais e votações da crítica especializada. Nesse contexto, talvez o grande mérito (ou sorte) de “Coringa” (2019) seja o fato dessa produção dirigida por Todd Phillips captar um certo zeitgeist contemporâneo, ainda que um tanto por vias tortas e também em alguns momentos reproduzindo uma ótica existencial-política simplória. Na realidade, a percepção de que haja personagens clássicos da DC na trama revela uma certa tendência a forçar a barra por parte dos roteiristas, tendo em vista que o roteiro mostra tendência para o comentário social e para a tensão psicológica-intimista que poderia retratar a vida de qualquer um de uma multidão de pobres coitados vítimas da opressão social e indiferença afetiva típicas da sociedade ocidental capitalista do mundo atual. É como se personagens como o Coringa e Thomas Wayne fossem jogados ali na trama de uma forma arbitrária apenas para dar uma satisfação para o público ávido por mais um filme de super-herói. Passando por essa impressão incômoda, entretanto, o filme de Phillips até é bem envolvente por vezes, principalmente pela dinâmica narrativa engendrada pelo cineasta e pela interpretação à flor-da-pele de Joaquin Phoenix. Dá até para perdoar um pouco a visão reacionária do filme ao reduzir a revolta e desejo de mudanças de boa parte da população por uma sociedade mais justa como simples combustível para revoltas caóticas e violentas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não assisti. Mas é divertido ver as análises desse filme por aí. Coringa é acusado de tudo por todos. É reacionário para os esquerdistas, e esquerdista para os direitistas. O próprio Coringa provavelmente ficaria encantado com as reações.