É muito fácil reduzir “Democracia em vertigem” (2019) como a
“versão petista” para fatos históricos recentes do Brasil. De certa forma, a
própria diretora Petra Costa não faz tanta questão de desmentir esse
reducionismo de análise de sua obra. Em vários momentos da narrativa, ela deixa
bem clara a sua posição ideológica. Ocorre, entretanto, que essa visão mais
rasteira por parte da crítica e público em relação ao documentário realizado
por Petra esconde de maneira perversa ou equivocada (ou as duas coisas ao mesmo
tempo) um fator contundente – a de que a grande maioria dos brasileiros
assistiu a tais fatos históricos pela lenta distorcida de uma mídia “oficial”.
Você já ficou sentado por algum tempo em uma sala de espera de médico,
dentista, banco ou outro ambiente parecido? Na maioria das vezes não tinha no
recinto uma televisão ligada? E quase sempre sintonizada na Globo? Ora, isso é
bastante sintomático de como a emissora da família Marinho funciona como uma espécie
de oráculo existencial para o modo de ser e pensar do brasileiro médio. Esse
cidadão sempre foi bombardeado com a constatação de que o processo histórico do
golpe parlamentar contra Dilma Roussef, a kafkaniana ação movida contra Lula e
a ascensão e eleição para presidência da república da besta fera como situações
legítimas e incontestáveis. Assim, “Democracia em vertigem” simplesmente
funciona como outra versão para tais fatos históricos, estimulando, inclusive,
uma efetiva reflexão sobre os rumos do país e os significados mais profundos de
todos esses eventos.
Além disso, “Democracia em vertigem” está muito longe de ser
mero produto panfletário, mostrando, inclusive, muita coerência com a própria
trajetória artística de Petra Costa. Nesse sentido, a relação com “Elena”
(2012), extraordinário filme anterior da cineasta, é extremamente contundente.
Se na referida obra mais antiga havia um documentário de cunho intimista que
trazia em seu subtexto um sutil viés sócio-político, em “Democracia em vertigem”
o processo é inverso – por trás do amplo painel histórico da trama se evidencia
um traço subjetivo na forma com que a diretora relaciona o tenebroso quadro
histórico exposto com uma sensação de desilusão e mal-estar existencial. Mais
do que a precisa reconstituição da História Brasileira, a função principal do
filme em relação à sua autora é o extravasamento da raiva e frustração com a
conjuntura produzida pela ação deletéria da extrema-direita no Brasil. É
justamente nesse aspecto que a força criativa de Petra oferece transcendência
artística para “Democracia em vertigem”, diferenciando-se de outros
documentários que versaram sobre a mesma temática, como a austeridade estética
e narrativa de “O processo” (2018) ou o perfil tragicômico de “Excelentíssimos”
(2018).
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