sexta-feira, março 15, 2013

A parte dos anjos, de Ken Loach ***1/2



Assistindo a “A parte dos anjos” (2012), do cineasta britânico Ken Loach, a conexão que mais me veio à mente foi com um dos primeiros longas de ficção do próprio Loach, “Kes” (1969). Em ambos os filmes, há a presença de um protagonista desajustado perante os padrões comportamentais da sociedade, mas que dentro de si esconde um dom insuspeito. Na visão de Loach, a falha maior não está na incapacidade de seus personagens em se adaptarem às comunidades em que se encontram, mas sim na falta de sensibilidade das pessoas em poder reconhecer as potencialidades desses indivíduos. A insistência do diretor na abordagem de temáticas semelhantes não se configura como mera repetição, mas sim com uma admirável coerência artística de Loach, além de revelar a perenidade de seu cinema.

“A parte dos anjos” também revela muito da extraordinária capacidade narrativa de Loach. Nas mãos de um diretor qualquer, a trama do filme poderia cair facilmente no campo do sentimentalismo ostensivo ou de artificiais tons edificantes. Já pelo olhar de “Loach”, o roteiro da produção ganha um tratamento formal sóbrio, mas também encantador. O registro visual é objetivo, por vezes beirando o documental, mas esse tratamento estético acentua de forma considerável a dramaticidade das situações, assim como a empatia com os personagens. Impressiona também como numa trama de forte caráter social, a expor a falta de perspectivas para a juventude nas periferias de Glasgow, Loach consegue inserir com naturalidade uma dinâmica de gênero de “thriller”, sem que a obra perca o seu tom humanista. Isso é recorrente na cinematografia do cineasta: a capacidade de ser reflexivo (ou até mesmo panfletário) sobre os problemas sociais contemporâneos, mas com afiadas noção e dinâmica de espetáculo cinematográfico.

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