Não há como não traçar paralelos entre “Mormaço” (2018) e “A
sombra do pai” (2018). Ambas são obras dirigidas por mulheres que enveredam
para o gênero fantástico visando configurar alegorias sócio-políticas do Brasil
contemporâneo. Se no filme de Gabriela Amaral Almeida há a predominância de um
viés intimista, no longa dirigido por Marina Meliande a trama abarca um
espectro maior, focalizando as ações do governo carioca para desalojar várias
famílias de seus lares para executar as obras das Olimpíadas de 2016 e a contrarreação
de populares para evitar tais despejos. Ainda que bem-intencionadas e louváveis,
as sequências de caráter mais realista a focalizar discussões em gabinetes e
tribunais e enfrentamentos físicos entre agentes da segurança e moradores por
vezes têm uma fluência narrativa e mesmo encenação mais truncadas, pouco
fluidas. O filme de Meliande realmente transcendo quando parte para uma concepção
estética-temática que sintetiza teor imagético simbolista e horror metafísico,
principalmente no terço final da narrativa, quando a doença de pele da
protagonista Ana (Marina Provenzzano) se acentua e a personagem entra em um
processo de fusão com o prédio deteriorado onde mora. O subtexto é claro e
perturbador – a dissolução física de Ana corresponde à deterioração moral-ética
da própria capital carioca, em que o antigo e tão decantado Rio de Janeiro
marcado por um imaginário gentil e poético dá lugar a uma metrópole desumana e
implacável contra aqueles sócio-economicamente fragilizados, em um retrato
metafórico que serve também como moldura exata para o Brasil pós-golpe
parlamentar.
Um comentário:
"Mormaço" escancara o horror que as elites desse país provocam, dos quais atingem em cheio os brasileiros e que nenhum outro mostro clássico do cinema criaria tamanho estrago. Veja a minha analise completa no meu blog de cinema. https://cinemacemanosluz.blogspot.com/2019/05/cine-dica-em-cartaz-mormaco-progresso.html
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