Eu tenho uma espécie de convicção pessoal em relação ao
prêmio Nobel de literatura que Bob Dylan ganhou em 2016 – a de que uma das
razões para tal premiação, além dos motivos óbvios da grande qualidade
artística de boa parte das letras que compôs e do ótimo livro “Memórias”, seria
a genialidade de algumas entrevistas que ele concedeu ao longo de sua carreira.
Alguns desses depoimentos são verdadeiras pérolas de criação literária, onde a
realidade e a mitificação (ou simplesmente a mentira) se entrelaçam como uma
coisa só, dificultando a visualização da tênue fronteira que as separam. E é
esse caráter de brilhante loroteiro/contador de causos de Dylan que fica
explícito no “documentário ficcional” “Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story
By Martin Scorsese” (2019). Em um primeiro momento, o filme de Scorsese pode
parecer um simples registro da longa turnê misto de concertos e shows de
vaudeville que Dylan promoveu em meados dos anos 70. E é claro que estão lá a
captação de momentos musicais antológicos de tais apresentações. Só que com o
desenvolver da narrativa o universo do filme se expande para algo como uma
junção alucinada/poética que também inclui ensaio sócio-político repleto de
amarga ironia, inventário cultural iluminado e encenações maliciosas (até
depoimentos contemporâneos de Dylan e outras pessoas que estiveram envolvidas
com a Rolling Thunder se encontra nessa zona nebulosa entre a verdade e a
mentira). Assim como no brilhante “Não estou lá” (2007), o filme de Scorsese
está mais preocupado em expor a complexidade artística/existencial de Dylan do
que em simplesmente esclarecer de maneira linear detalhes da vida de seu
protagonista. As inquietações estéticas/temáticas do diretor e a síntese de
trovador lúcido e cara-de-pau jocoso composto na persona de Dylan resultam em
uma obra fascinante e repleta de obscuras e sedutoras nuances que exigem um
olhar atento e contemplativo do espectador para esse atordoante mosaico de
referências culturais e políticas, o que acaba se configurando como um grande
desafio artístico nesses tempos em que filmes conservadores/corporativos de
super-heróis se tornaram a grande referência cultural da sociedade ocidental.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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