quarta-feira, julho 24, 2019

Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story By Martin Scorsese, de Martin Scorsese ****


Eu tenho uma espécie de convicção pessoal em relação ao prêmio Nobel de literatura que Bob Dylan ganhou em 2016 – a de que uma das razões para tal premiação, além dos motivos óbvios da grande qualidade artística de boa parte das letras que compôs e do ótimo livro “Memórias”, seria a genialidade de algumas entrevistas que ele concedeu ao longo de sua carreira. Alguns desses depoimentos são verdadeiras pérolas de criação literária, onde a realidade e a mitificação (ou simplesmente a mentira) se entrelaçam como uma coisa só, dificultando a visualização da tênue fronteira que as separam. E é esse caráter de brilhante loroteiro/contador de causos de Dylan que fica explícito no “documentário ficcional” “Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story By Martin Scorsese” (2019). Em um primeiro momento, o filme de Scorsese pode parecer um simples registro da longa turnê misto de concertos e shows de vaudeville que Dylan promoveu em meados dos anos 70. E é claro que estão lá a captação de momentos musicais antológicos de tais apresentações. Só que com o desenvolver da narrativa o universo do filme se expande para algo como uma junção alucinada/poética que também inclui ensaio sócio-político repleto de amarga ironia, inventário cultural iluminado e encenações maliciosas (até depoimentos contemporâneos de Dylan e outras pessoas que estiveram envolvidas com a Rolling Thunder se encontra nessa zona nebulosa entre a verdade e a mentira). Assim como no brilhante “Não estou lá” (2007), o filme de Scorsese está mais preocupado em expor a complexidade artística/existencial de Dylan do que em simplesmente esclarecer de maneira linear detalhes da vida de seu protagonista. As inquietações estéticas/temáticas do diretor e a síntese de trovador lúcido e cara-de-pau jocoso composto na persona de Dylan resultam em uma obra fascinante e repleta de obscuras e sedutoras nuances que exigem um olhar atento e contemplativo do espectador para esse atordoante mosaico de referências culturais e políticas, o que acaba se configurando como um grande desafio artístico nesses tempos em que filmes conservadores/corporativos de super-heróis se tornaram a grande referência cultural da sociedade ocidental.

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