Estranhas coincidências... Há poucas semanas passadas foi
exibida no Cinema Capitólio a versão do diretor Luca Guadagnino para “Suspiria”
(2018), sendo que nessa recente adaptação a trama fica situada na Berlin de
meados dos anos 70, havendo várias referências históricas à atuação do grupo de
esquerda radical Baader Meinhof. Poucos dias depois, o mesmo cinema exibiu “Uma
juventude alemã” (2015), documentário que expõe a trajetória do referido grupo.
É curioso que ambos os filmes evitam tanto o olhar moralizante quanto a anódina
abordagem acrítica. Se o horror ficcional de Guadagnino faz um perturbador
paralelo existencial entre o grupo e uma confraria de bruxas (que também é uma
escola de balé!), no sentido de serem agrupamentos de ações violentas de
caráter libertário/contestatório, a obra documental dirigida por Jean-Gabriel Périot
é um fascinante de misto de viagem sensorial e relato histórico sobre o
controvertido histórico do Baader Meinhof. O fato do grupo ter entre seus
membros estudantes de cinema e jornalistas parece influenciar na própria
formatação narrativa do documentário, fazendo com que fique estabelecida quase
que de maneira constante uma contraposição dialética na colagem/edição do
material de arquivo. Assim, as filmagens de reportagem da época, a reproduzirem
debates e ações de conflito nas ruas, trazem em seu âmago um discurso
oficialista e conservador, sempre em tom desaprovador das ações do grupo (tanto
nos debates e protestos pacíficos quanto nas ações terroristas), enquanto o
material cinematográfico confeccionado por membros do próprio Baader Meinhof e
os trechos de filmes ficcionais relativos a essa temática de insurreições
ironizam e desconstroem esse mesmo discurso oficial. E na tensão entre tais
estéticas e discursos é que se evidencia o particular caráter artístico/político
de “Uma juventude alemã” – mais do que uma pretensa (e mentirosa) abordagem “isenta”,
é uma obra que evita o maniqueísmo fácil e ressalta a complexidade
sócio-ideológica dos conflitos da época. Nesse vórtice atordoante
imagético-textual, fica por vezes em primeiro plano a brutalidade das ações
terroristas do Baader Meinhof, mas também se valoriza que por trás de um
discurso de radicalismo também havia um arguto e legítimo raio x sobre as ações
discriminatórias e opressivas de um governo submetido aos ditames políticos e
econômicos de interesses exclusivos da ala burguesa da sociedade alemã. A
melancólica e poética conclusão de “Uma juventude alemã” realça com
brilhantismo esse olhar lúcido e nada banal sobre um conflito que em sua
essência perdura até os dias de hoje em âmbito mundial.
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