terça-feira, julho 02, 2019

Uma juventude alemã, de Jean-Gabriel Périot ****


Estranhas coincidências... Há poucas semanas passadas foi exibida no Cinema Capitólio a versão do diretor Luca Guadagnino para “Suspiria” (2018), sendo que nessa recente adaptação a trama fica situada na Berlin de meados dos anos 70, havendo várias referências históricas à atuação do grupo de esquerda radical Baader Meinhof. Poucos dias depois, o mesmo cinema exibiu “Uma juventude alemã” (2015), documentário que expõe a trajetória do referido grupo. É curioso que ambos os filmes evitam tanto o olhar moralizante quanto a anódina abordagem acrítica. Se o horror ficcional de Guadagnino faz um perturbador paralelo existencial entre o grupo e uma confraria de bruxas (que também é uma escola de balé!), no sentido de serem agrupamentos de ações violentas de caráter libertário/contestatório, a obra documental dirigida por Jean-Gabriel Périot é um fascinante de misto de viagem sensorial e relato histórico sobre o controvertido histórico do Baader Meinhof. O fato do grupo ter entre seus membros estudantes de cinema e jornalistas parece influenciar na própria formatação narrativa do documentário, fazendo com que fique estabelecida quase que de maneira constante uma contraposição dialética na colagem/edição do material de arquivo. Assim, as filmagens de reportagem da época, a reproduzirem debates e ações de conflito nas ruas, trazem em seu âmago um discurso oficialista e conservador, sempre em tom desaprovador das ações do grupo (tanto nos debates e protestos pacíficos quanto nas ações terroristas), enquanto o material cinematográfico confeccionado por membros do próprio Baader Meinhof e os trechos de filmes ficcionais relativos a essa temática de insurreições ironizam e desconstroem esse mesmo discurso oficial. E na tensão entre tais estéticas e discursos é que se evidencia o particular caráter artístico/político de “Uma juventude alemã” – mais do que uma pretensa (e mentirosa) abordagem “isenta”, é uma obra que evita o maniqueísmo fácil e ressalta a complexidade sócio-ideológica dos conflitos da época. Nesse vórtice atordoante imagético-textual, fica por vezes em primeiro plano a brutalidade das ações terroristas do Baader Meinhof, mas também se valoriza que por trás de um discurso de radicalismo também havia um arguto e legítimo raio x sobre as ações discriminatórias e opressivas de um governo submetido aos ditames políticos e econômicos de interesses exclusivos da ala burguesa da sociedade alemã. A melancólica e poética conclusão de “Uma juventude alemã” realça com brilhantismo esse olhar lúcido e nada banal sobre um conflito que em sua essência perdura até os dias de hoje em âmbito mundial.

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