segunda-feira, março 12, 2012

Drive, de Nicolas Winding Refn ****



Acho engraçado quando alguém, tanto crítica quanto público, dividi um filme entre um lado “técnico” (referente a sua concepção formal) e outro “emocional” (que diz respeito a sua temática e roteiro). Fica-se com aquela impressão que detalhes como fotografia, edição, som dissessem pouco a respeito do impacto sensorial que uma obra possa causar. Sorte que de vez em quando aparece alguma obra-prima como “Drive” (2011) para mostrar que o “artesanato” de um filme é o que dá sentido para que uma trama cause alguma espécie de emoção para o espectador. Toda a sequência de abertura desta produção mais recente do cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn é exemplar na constatação que técnica e emoção não são dissociadas – em termos de texto, os elementos e as variações são mínimos, consistindo basicamente num pequeno assalto e numa conseqüente perseguição automobilística envolvendo polícia e ladrões (esses tendo como motorista o protagonista conhecido apenas como “Motorista”!). Toda a atmosfera de forte tensão vem do uso sutil de recursos como a elevação da trilha sonora em momentos decisivos, na edição do som (a aproximação de um helicóptero da polícia é percebido quase que apenas pelo seu barulho), na iluminação no rosto do “driver”, na edição elegante das imagens.

Em suas vigorosas obras anteriores, como “Bronson” (2008) e “Guerreiro Silencioso” (2009), Refn chamou atenção por suas idiossincrasias formais e por roteiros repletos de simbologias. Em “Drive”, seu estilo particular se mostra mais descarnado, buscando uma aproximação de uma certa estética clássica do cinema norte-americano. Isso não quer dizer, entretanto, uma aproximação do convencional. Refn continua ousado e a depuração de sua arte torna o resultado final ainda mais surpreendente. Esse classicismo insólito do diretor fica evidente no próprio roteiro de “Drive”, que emula em determinadas passagens alguns elementos do antológico faroeste “Os Brutos Também Amam” (1953). Lá estão o misterioso e nobre protagonista de passado obscuro (e do qual nunca saberemos nada), sua aproximação com uma família em dificuldades com bandidos, seu sacrifício em busca de uma involuntária redenção, a indefinição do seu destino final. Os vilões de “Drive” também trazem algo do homem de negro encarnado por Jack Palance, naquela estranha combinação de frieza, repulsa e carisma.

A exemplo da aludida sequência inicial, toda a ação em “Drive” é construída com sutileza e de forma progressiva. Refn define situações e personagens com rápidas e precisas pinceladas para depois jogá-los num vórtice de violência e destruição. A brutalidade, contudo, nunca é gratuita e caricatural. Ela irrompe de forma econômica, mas contundente, com direito a belas tomadas em câmera lenta em algumas cenas (aqui revelando a influência de outra fonte icônica do cinema, o “poeta da violência” Sam Peckimpah) – impossível não mencionar como ilustração a seqüência do elevador, que começa de forma suave e romântica no beijo entre o motorista e Irene (Carey Mulligan) e termina num sangrento espancamento de um assassino. Aliás, uma cena de valor simbólico notável – é quando o próprio “driver” constata a impossibilidade de uma vida normal para si.

Ainda sobre a elaboração da ação cinematográfica, Refn se mostra obcecado em esmiuçar as formas com que esta ação pode ser encenada. Se em algumas cenas há sangue jorrando de forma explícita e cabeças explodindo, em outros o diretor se interessa em focar a ação de longe ou até mesmo filmar apenas as sombras dos personagens. É de impressionar também quando ele funde dois momentos distintos de uma ação dentro da mesma seqüência, numa extraordinária manipulação dos tempos narrativos.

E não bastasse todas as qualidades já mencionadas, Refn revela um notável trabalho na direção de seu elenco. Ryan Gosling faz uma composição dramática cheia de nuances – vai do taciturno até lampejos de esperanças no olhar para concluir em um registro pleno de melancolia e fúria. Já Albert Brooks e Ron Perlman interpretam “homens maus” devidamente cínicos e assustadores e que definem com precisão sua personalidades ora em pequenos gestos irônicos, ora em descargas imprevisíveis de ferocidade física.

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