A construção do suspense no produção sul-coreana “Em chamas”
(2018) se efetiva por meios narrativos bastantes distantes daqueles que estamos
acostumados em produções ocidentais no gênero. Isso porque o diretor Chang
Dong-Lee se propõe apresentar para o espectador quase que apenas sugestões de
soluções de roteiro e uma forma de filmar que beira o elíptico na maneira que
uma encenação detalhista, por vezes quase repetitiva, se alia a um formalismo
que procura o contemplativo e o atmosférico. Aqui e ali na trama se insere
motes tradicionais – pode ser que tenha havido um desaparecimento (ou mesmo
assassinato) de uma personagem importante, talvez esteja em cena um psicopata
matador de belas mulheres, há a possibilidade de que um sádico jogo de
gato-e-rato tenha se estabelecido entre protagonista e antagonista. Para o
filme, entretanto, a verdade é que pouco importa amarrar as pontas soltas desses
aspectos temáticos. O que realmente é vital é estabelecer para o público a
sensação de permanente dúvida sobre o real sentido daquilo que se está vendo.
Tão importante quanto os truques narrativos do gênero, por vezes até mais, é a
exposição fragmentada da vida de Jong-soo: a silenciosa relação conflituosa com
o pai violento, o ressentimento com a fuga da mãe, o desejo frustrado de ser
escritor, a paixão inesperada e desenfreada pela antiga vizinha de infância Hae-mi
(Jeon Jong-seo), a ira constantemente reprimida. No conjunto desses pequenos
flashs do seu cotidiano se encontra o campo ideal para o estranho jogo mental
que se desenvolve com o misterioso Ben (Steve Yeun). Chang-Dong Lee prepara
esses elementos como um sutil e sólido quebra-cabeça que primeiro envolve o
espectador para depois jogá-lo de cabeça no clima de pesadelo sem fim do terço
final da narrativa. Mesmo na explosão de brutalidade da sequência final, que em
um primeiro momento poderia aparentar algo de catarse redentora, acaba se acentuando
ainda mais a impressão de um mal-estar existencial que nunca cessará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário