quinta-feira, dezembro 13, 2018

Em chamas, de Chang-Dong Lee ****


A construção do suspense no produção sul-coreana “Em chamas” (2018) se efetiva por meios narrativos bastantes distantes daqueles que estamos acostumados em produções ocidentais no gênero. Isso porque o diretor Chang Dong-Lee se propõe apresentar para o espectador quase que apenas sugestões de soluções de roteiro e uma forma de filmar que beira o elíptico na maneira que uma encenação detalhista, por vezes quase repetitiva, se alia a um formalismo que procura o contemplativo e o atmosférico. Aqui e ali na trama se insere motes tradicionais – pode ser que tenha havido um desaparecimento (ou mesmo assassinato) de uma personagem importante, talvez esteja em cena um psicopata matador de belas mulheres, há a possibilidade de que um sádico jogo de gato-e-rato tenha se estabelecido entre protagonista e antagonista. Para o filme, entretanto, a verdade é que pouco importa amarrar as pontas soltas desses aspectos temáticos. O que realmente é vital é estabelecer para o público a sensação de permanente dúvida sobre o real sentido daquilo que se está vendo. Tão importante quanto os truques narrativos do gênero, por vezes até mais, é a exposição fragmentada da vida de Jong-soo: a silenciosa relação conflituosa com o pai violento, o ressentimento com a fuga da mãe, o desejo frustrado de ser escritor, a paixão inesperada e desenfreada pela antiga vizinha de infância Hae-mi (Jeon Jong-seo), a ira constantemente reprimida. No conjunto desses pequenos flashs do seu cotidiano se encontra o campo ideal para o estranho jogo mental que se desenvolve com o misterioso Ben (Steve Yeun). Chang-Dong Lee prepara esses elementos como um sutil e sólido quebra-cabeça que primeiro envolve o espectador para depois jogá-lo de cabeça no clima de pesadelo sem fim do terço final da narrativa. Mesmo na explosão de brutalidade da sequência final, que em um primeiro momento poderia aparentar algo de catarse redentora, acaba se acentuando ainda mais a impressão de um mal-estar existencial que nunca cessará.

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