quarta-feira, dezembro 05, 2018

Excelentíssimos, de Douglas Duarte ***1/2


Quando comecei a escrever para esse blog em 2006, procurei dar um tom na terceira pessoa nos meus textos. A intenção era focar a minha análise/percepção diretamente no filme a ser apreciado, enfatizando mais os seus méritos (e deméritos) artísticos. Eu não sentia tanta necessidade de enfatizar aspectos subjetivos ou pessoais, no sentido da minha relação existencial com aquilo a que eu assistia. Acredito que por alguns bons anos mantive com razoável constância esse tipo de abordagem. Nos últimos tempos, entretanto, tenho percebido que os meus textos cada vez mais refletem uma percepção pessoal minha sobre o mundo, e não apenas um enfoque objetivo sobre os filmes. Para mim, não se trata de uma evolução ou amadurecimento do meu estilo. Vejo apenas como um processo inevitável diante dos perturbadores fatos sócio-políticos que tomaram o país e o mundo nos últimos anos. Dependendo da forma como tais fatos estão retratados em determinados filmes, fica impossível para mim simplesmente deixar de expressar alguns sentimentos e constatações que não se situam apenas no campo estético e formal. Bem, senti necessidade de fazer essa digressão (ou mesmo confissão) ao pensar no que escrever sobre “Excelentíssimos” (2018). Eu estava temeroso de ver esse documentário de Douglas Duarte não por receio de suas possíveis qualidades artísticas, mas sim pelo fato de que eu já havia assistido nesse ano ao extraordinário “O processo” (2017), de temática muito semelhante, e tinha sido uma experiência bastante dolorosa ficar relembrando os nefastos fatos relativos ao golpe de 2016. Minha curiosidade cinematográfica, todavia, acabaram me fazendo suplantar tais temores e lá estava eu no Cibe Bancários encarando mais uma infernal jornada de exposição de amargas lembranças.

E já que entrei de vez nessa de narrativa em primeira pessoa, lá vai mais uma confissão pessoal – em termos de acompanhar aquilo que acontece pelo mundo, sou um cara ainda com uma cabeça “século XX”, pois a minha maneira de me informar é pela leitura. Não sou de ver televisão, vídeos na internet e afins. Assim, nada daquilo que aparece na tela em “Excelentíssimos” chega a ser exatamente uma novidade para mim. Sei que o Congresso está tomado de indivíduos que representam aquilo que há de pior na humanidade: obscurantistas religiosos que exploram a fé alheia em busca de poder sócio-político-econômico, a bancada da bala, gente que odeia e persegue minorias (indígenas, comunidade LGBT), misóginos, defensores de ruralistas que desprezam movimentos sociais. O que é novo para mim é ver essa gente em ação na tela grande despejando impropérios, preconceitos, cinismo, hipocrisia e demais chorumes da alma humana (a sequência em que deputados da bancada evangélica utilizam um gabinete para celebrar um culto e conspirarem contra o governo é particularmente tenebrosa). E nesse sentido o diretor Rogério Duarte constrói uma sombria narrativa que é muito mais aterrorizante que boa parte do que se fez no gênero horror nos últimos anos. Enquanto Maria Augusta Ramos manteve um austero e implacável formalismo em “O processo”, Duarte preferiu um enfoque estético mais caótico ao captar outras fontes audiovisuais (propagandas políticas, reportagens) e aliar ao seu material próprio, além de juntar alguns bem sacados truques de edição e uma tenebrosa e climática trilha sonora (o que dá para o filme por vezes uma irônica atmosfera de terror gótico).

Talvez em um contexto histórico diverso do atual em que se assistisse a “Excelentíssimos” é provável que esse festival de escrotidões até soaria pateticamente cômico. Na nossa situação atual, entretanto, a sensação é de pura tragédia. E fica evidente que a vitória do inominável nas eleições não foi algo tão surpreendente – aliás, ele é um dos personagens mais destacados na saga dantesca retratada no filme.

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