Quando comecei a escrever para esse blog em 2006, procurei
dar um tom na terceira pessoa nos meus textos. A intenção era focar a minha
análise/percepção diretamente no filme a ser apreciado, enfatizando mais os
seus méritos (e deméritos) artísticos. Eu não sentia tanta necessidade de
enfatizar aspectos subjetivos ou pessoais, no sentido da minha relação
existencial com aquilo a que eu assistia. Acredito que por alguns bons anos
mantive com razoável constância esse tipo de abordagem. Nos últimos tempos,
entretanto, tenho percebido que os meus textos cada vez mais refletem uma
percepção pessoal minha sobre o mundo, e não apenas um enfoque objetivo sobre
os filmes. Para mim, não se trata de uma evolução ou amadurecimento do meu
estilo. Vejo apenas como um processo inevitável diante dos perturbadores fatos
sócio-políticos que tomaram o país e o mundo nos últimos anos. Dependendo da
forma como tais fatos estão retratados em determinados filmes, fica impossível
para mim simplesmente deixar de expressar alguns sentimentos e constatações que
não se situam apenas no campo estético e formal. Bem, senti necessidade de fazer
essa digressão (ou mesmo confissão) ao pensar no que escrever sobre “Excelentíssimos”
(2018). Eu estava temeroso de ver esse documentário de Douglas Duarte não por
receio de suas possíveis qualidades artísticas, mas sim pelo fato de que eu já
havia assistido nesse ano ao extraordinário “O processo” (2017), de temática
muito semelhante, e tinha sido uma experiência bastante dolorosa ficar
relembrando os nefastos fatos relativos ao golpe de 2016. Minha curiosidade
cinematográfica, todavia, acabaram me fazendo suplantar tais temores e lá
estava eu no Cibe Bancários encarando mais uma infernal jornada de exposição de
amargas lembranças.
E já que entrei de vez nessa de narrativa em primeira pessoa,
lá vai mais uma confissão pessoal – em termos de acompanhar aquilo que acontece
pelo mundo, sou um cara ainda com uma cabeça “século XX”, pois a minha maneira
de me informar é pela leitura. Não sou de ver televisão, vídeos na internet e
afins. Assim, nada daquilo que aparece na tela em “Excelentíssimos” chega a ser
exatamente uma novidade para mim. Sei que o Congresso está tomado de indivíduos
que representam aquilo que há de pior na humanidade: obscurantistas religiosos
que exploram a fé alheia em busca de poder sócio-político-econômico, a bancada
da bala, gente que odeia e persegue minorias (indígenas, comunidade LGBT),
misóginos, defensores de ruralistas que desprezam movimentos sociais. O que é
novo para mim é ver essa gente em ação na tela grande despejando impropérios,
preconceitos, cinismo, hipocrisia e demais chorumes da alma humana (a sequência
em que deputados da bancada evangélica utilizam um gabinete para celebrar um
culto e conspirarem contra o governo é particularmente tenebrosa). E nesse
sentido o diretor Rogério Duarte constrói uma sombria narrativa que é muito
mais aterrorizante que boa parte do que se fez no gênero horror nos últimos anos.
Enquanto Maria Augusta Ramos manteve um austero e implacável formalismo em “O
processo”, Duarte preferiu um enfoque estético mais caótico ao captar outras
fontes audiovisuais (propagandas políticas, reportagens) e aliar ao seu
material próprio, além de juntar alguns bem sacados truques de edição e uma
tenebrosa e climática trilha sonora (o que dá para o filme por vezes uma irônica
atmosfera de terror gótico).
Talvez em um contexto histórico diverso do atual em que se
assistisse a “Excelentíssimos” é provável que esse festival de escrotidões até
soaria pateticamente cômico. Na nossa situação atual, entretanto, a sensação é
de pura tragédia. E fica evidente que a vitória do inominável nas eleições não
foi algo tão surpreendente – aliás, ele é um dos personagens mais destacados na
saga dantesca retratada no filme.
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