quarta-feira, junho 17, 2015

Vidas ao vento, de Hayao Miyazaki ****


Sempre que se pensa nos longas de animação dirigidos pelo japonês Hayao Miyazaki, uma das primeiras coisas que vem à mente é o fato de serem vinculados a um universo de fantasia. Dessa forma, a premissa da trama de “Vidas ao vento” (2013) pode causar um estranhamento inicial, pois o roteiro teria um foco realista ao mostrar fatos biográficos da vida de Jiro Horikoshi, engenheiro de aviação que projetou o caça mais utilizado pelo Japão na 2ª Guerra Mundial. Esse estranhamento, entretanto, vai aos poucos caindo por terra quando se assiste ao filme. Isso porque a obra tem fortes vinculações ao mundo onírico e por vezes até delirante. Momentos cruciais se desenvolvem dentro dos sonhos do protagonista, e mesmo sequências dentro do plano “real” recebem uma abordagem estética repleta daquele grafismo poético e impressionista típico do trabalho de Miyazaki. As produções do cineasta geralmente trafegaram num limite impreciso entre o infantil e o adulto – essa zona difusa sempre foi uma das marcas mais desconcertantes de sua cinematografia. Em “Vidas ao vento”, a temática é definitivamente adulta, no sentido de que os dilemas e conflitos do protagonista revelam um caráter mais complexo. A vida de Horikoshi é marcada por escolhas difíceis e por vezes até contraditórias. Para que possa continuar trabalhando (e sonhando) com aviões, é necessário que ele, sujeito de natureza serena, trabalhe pensando em conceitos belicistas, no sentido de conceber um veículo leve, veloz e letal. Em nome do trabalho de sua vida, Horikoshi também sacrifica a própria vida pessoal ao abdicar de boa parte do pouco tempo que teria de conviver com sua desenganada esposa. Apesar da dramaticidade de tais eventos, Miyazaki não cai em sentimentalismos excessivos ou na melancolia desesperada. Paira no filme uma atmosfera de lirismo e sobriedade admiráveis, em que humanismo existencial e plasticidade refinada geram uma animação antológica.

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