A síntese artística de “História da minha morte” (2013)
passa por uma intrincada combinação entre peculiar classicismo em termos
estéticos, atmosferas bizarras e roteiro de forte teor alegórico. O diretor
Albert Serra não facilita as coisas para o espectador – edição de pouco cortes,
longos planos-sequência fixos, a encenação distante da escola naturalista,
fotografia algo esmaecida que evoca um velho álbum de fotos. Em diversas passagens,
a ambientação evoca uma zona existencial entre o horror metafísico sombrio e um
amargo drama social. A figura mítica de Casanova apresenta uma carga simbólica
diversa daquela habitual nas várias vezes em que foi retratada em outros
relatos (cinematográficos ou não) – o personagem representa um poder
aristocrata e patriarcal opressor e perverso, em que suas ações evocam o
sexismo e a injustiça social que sempre foram inerentes dentro da trajetória
histórica da sociedade ocidental. Nesse sentido, a abordagem temática-formal de
Serra é perturbadora em sua ambiguidade, em que se pode perceber um certo tom
encantador pictórico e mesmo sensual em algumas cenas, enquanto em outras
predomina uma sexualidade brutal e um caráter de sordidez. A dubiedade aumenta
ainda mais quando Drácula entra em cena, pois nunca fica claro o real significado
de sua presença – seria uma saída libertária ou apenas a continuação de uma
outra forma de opressão? Nesse padrão de indefinição é que “História da minha
morte” vai se insinuando dentro do imaginário do espectador, como um pesadelo
marcado pela beleza e pelo desconforto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário