O cinema praticado pelo diretor Albert Serra em “A morte de
Luís XIV” (2016) parece algo fora do tempo e do espaço. O cineasta catalão
abdica de efeitos digitais e de uma edição baseada em cortes em nome de uma
estética que sintetiza passadismo, morbidez e cientificismo. Assim, alia uma
encenação marcada pelo rigor naturalista, direção de arte que sintetiza
requinte e crueza e uma fotografia de claras influências pictóricas. São
diversos os momentos em que o espectador tem a impressão de estar assistindo a
um quadro vivo renascentista ou gótico, tamanho o detalhismo das composições
cênicas do filme. Todas essas escolhas formais, juntas a uma narrativa de
implacável ritmo lento, mostram uma sintonia notável com a proposta temática do
roteiro, que em seu subtexto traz uma leitura cruel e irônica sobre a aliança
entre poder político e obscurantismo religioso, a combinação existencial
fundamental do absolutismo (e que de certa forma ainda influencia o status quo
mundial). A agonia do protagonista, expressa em riquezas de nuances sensoriais,
contrapõe de maneira assustadora a visão aristocrática de uma legitimação
divina que justifique uma sociedade marcada por brutais diferenças de classes.
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