terça-feira, maio 02, 2017

A morte de Luís XIV, de Albert Serra ***1/2

O cinema praticado pelo diretor Albert Serra em “A morte de Luís XIV” (2016) parece algo fora do tempo e do espaço. O cineasta catalão abdica de efeitos digitais e de uma edição baseada em cortes em nome de uma estética que sintetiza passadismo, morbidez e cientificismo. Assim, alia uma encenação marcada pelo rigor naturalista, direção de arte que sintetiza requinte e crueza e uma fotografia de claras influências pictóricas. São diversos os momentos em que o espectador tem a impressão de estar assistindo a um quadro vivo renascentista ou gótico, tamanho o detalhismo das composições cênicas do filme. Todas essas escolhas formais, juntas a uma narrativa de implacável ritmo lento, mostram uma sintonia notável com a proposta temática do roteiro, que em seu subtexto traz uma leitura cruel e irônica sobre a aliança entre poder político e obscurantismo religioso, a combinação existencial fundamental do absolutismo (e que de certa forma ainda influencia o status quo mundial). A agonia do protagonista, expressa em riquezas de nuances sensoriais, contrapõe de maneira assustadora a visão aristocrática de uma legitimação divina que justifique uma sociedade marcada por brutais diferenças de classes.

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