O diretor alemão Wim Wenders aparenta em “Os belos dias de
Aranjuez” (2016) não dar muita bola para as acusações de pedantismo filosófico
ou de estar há anos se repetindo em suas obsessões estéticas e temáticas. Dessa
forma, mesmo que não consiga convencer os habituais detratores, reforça o
padrão autoral da sua filmografia. Nesse filme mais recente, inclusive, pode-se
ter a impressão do cineasta estar evocando algumas das melhores soluções artísticas
de uma de suas grandes obras-primas, “Asas do desejo” (1987), ainda que sem o
mesmo grau de inspiração criativa. Estão lá o entrecruzamento entre audiovisual
e literatura (não à toa, o roteirista é o escritor Peter Handke, antigo
colaborador de Wenders, inclusive em “Asas do desejo”), diálogos que buscam a
síntese entre o filosófico e o poético, o uso intenso de canções de rock e pop
na trilha sonora. Nessa obra mais recente, entretanto, Wenders não demonstra
tanta preocupação em firmar uma narrativa convencional, fazendo com que a
estrutura formal e textual do filme se configure a partir de elementos
aparentemente aleatórios (um jukebox marcando um inventário emocional das
situações da trama, direção de fotografia que investe em detalhistas e sóbrios
planos-sequências, direção de arte que acentua o caráter pictórico de
determinadas cenas). Tal concepção cinematográfica torna algumas passagens da
produção um tanto frouxas, beirando o enfadonho, mas com o tempo acabam
revelando uma interessante sintonia com o roteiro, principalmente pelo fato de
expressar a ideia do conturbado processo criativo do escritor protagonista da
obra. Assim, mesmo que a aparição repentina de Nick Cave cantando na sala do
personagem possa parecer forçada ou estapafúrdia, acaba ganhando um encantador
caráter simbólico – aliás, Cave também aparecia de forma memorável em uma das
mais famosas sequências de “Asas do desejo”. Há também na proposta artística de
“Os belos dias de Aranjuez” a intenção de colocar o espectador dentro de uma
espécie de vórtice sensorial narrativo marcado por uma atmosfera passadista e
algo nostálgica para que ele sinta a beleza e o peso de cada palavra dos
diálogos e do espectro visual da produção, desejo esse evidente nos planos
iniciais, em que a câmera “viaja” de uma grande metrópole moderna para o
ambiente árcade do retiro campestre do protagonista.
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