A abordagem mais óbvia que se poderia dar à rivalidade entre
os boxeadores Luciano Todo Duro e Reginaldo Holyfield seria aquela em tom
folclórico, caindo no francamente jocoso. Afinal, ao longo de três décadas de
vários enfrentamentos nos ringues e fora deles os próprios lutadores trataram
de fornecer uma matéria-prima cômica, involuntariamente ou não, além dos meios
de comunicação terem acentuado bastante o lado patético do conflito entre tais
indivíduos. No documentário “A luta do século” (2016), o diretor Sérgio Machado
também se vale dessa visão irônica que ressalta o lado pitoresco de tais
figuras e de algumas situações que protagonizaram. Tal concepção, entretanto, é
predominante no terço inicial da narrativa. Em um processo criativo de fortes
tons dialéticos, no restante do filme o cineasta se dedica a fazer uma
perturbadora e cruel dissecação dos reais significados que envolvem as disputas
pugilísticas e mesmo existenciais entre esses dois homens. Aos poucos, aquilo
que parecia anedótico e divertido vai ganhando uma conotação mais complexa e
melancólica ao evidenciar o despreparo emocional e cultural de Todo Duro e
Holyfield em lidarem com os diversos aspectos da notoriedade que obtiveram
quando estavam no auge de suas respectivas carreiras esportivas. No ocaso de
suas trajetórias, as duras consequências econômicas e sociais lhe atingem com
uma brutalidade devastadora. Relegados novamente à pobreza de origem, conformam-se
a pequenos bicos, favores de amigos e familiares, confortos místicos de seitas
religiosas e exploração de políticos. Ou seja, o perfeito retrato simbólico de
milhões de brasileiros. Incapazes de uma reflexão mais profunda sobre as causas
de suas insuficiências financeiras e de seus padecimentos físicos, acabam
condenados a repetirem uma eterna luta que nunca terá fim, presos em
personagens que eles mesmos não conseguem distinguir onde termina a fantasia e
começa a realidade. Machado consegue um equilíbrio artístico notável entre a
comicidade natural da primeira parte do filme com o direcionamento dramático
posterior, fazendo com que esses diferentes planos narrativos convivam com uma
naturalidade impressionante. Além disso, o discurso humanista do subtexto de “A
luta do século” brota com sutileza e contundência dentro de uma dinâmica
narrativa que combina farto material audiovisual de arquivo com muito bem
sacadas tomadas próprias sem precisar apelar para previsíveis truques
jornalísticos.
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