sexta-feira, março 16, 2018

Visages, villages, de Agnès Varda ***


Ainda que a direção de “Visages, villages” (2017) seja compartilhada com o fotógrafo e artista plástico JR, o filme em questão é uma obra que diz muito mais respeito ao universo autoral da cineasta Agnès Varda. JR tem a sua importância em termos estéticos e existenciais para a produção, mas o que dita realmente os caminhos criativos da narrativa são as inquietações e concepções particulares de Varda. Os sutis choques entre os preceitos documentais com truques de encenação, as reminiscências pessoais da cineasta, suas admirações particulares e convicções sócio-políticas – tais elementos são estabelecidos com delicadeza por Varda, com JR usando sua própria arte para dar vazão a eles. No cômputo geral, não chega a ser um trabalho especialmente arrebatador, com uma narrativa que flui tranquila e por vezes quase como devaneio por um conceito etéreo de uma França profunda que fica em uma zona entre o nostálgico e o irreal. As obsessões formais e artísticas da dupla de diretores se fundem por vezes como uma coisa só e dão ensejo a algumas boas sacadas imagéticas. Há um tom crepuscular que paira sobre a narrativa, afinal é provável que se trate do último filme dirigido por uma Varda já algo combalida pela idade e a saúde mais frágil, o que faz com que um aspecto de sentimentalismo domine algumas cenas. Isso, entretanto, nasce e se manifesta com coerência e espontaneidade, estando bem longe do apelativo. Se Godard hoje em dia ainda mantém a preocupação em romper com os ditames de “normalidade” da linguagem cinematográfica, Varda quer apenas dedicar seus últimos esforços criativos para evocar um passado que ama e manifestar suas admirações. “Visages, villages” é um exemplar pungente de seus desejos.

Nenhum comentário: