terça-feira, março 06, 2018

Jonas e o circo sem lona, de Paula Gomes ***1/2


Há um momento em “Jonas e o circo sem lona” (2015) que sintetiza com notável sensibilidade e precisão os principais dilemas estéticos e existenciais desse documentário brasileiro – a professora do jovem Jonas, protagonista do filme, questiona a diretora Paula Gomes sobre a validade artística do que ela está filmando bem como a influência negativa que a realização do longa pode estar causando ao menino, ressaltando ainda que muito do que foi registrado pode não corresponder à “realidade”, pois, segundo a educadora, Jonas estaria representando algo que ele efetivamente não é. O primeiro terço da narrativa mostra o cotidiano do garoto, em uma cidade interiorana da Bahia, focando com maior ênfase a sua luta para manter um pequeno circo amador com seus amigos. A referida fala da professora, entretanto, é que caracteriza com contundência a verdadeira natureza do filme. Ao invés de um conto de superação das dificuldades sócio-econômicas de um determinado indivíduo, o que se consolida é uma sutil discussão sobre qual seria a efetiva natureza de um documentário, a do registro objetivo dos fatos como eles são ou a de uma concepção que se proponha como a captação de um fragmento ou reflexo da realidade. Paula Gomes não entrega uma resposta pronta para essa discussão. Ela acredita na possibilidade da união dessas visões distintas, em que mesmo aquilo que é encenado traz dentro de si uma desconcertante verdade. Esse subtexto do roteiro, entretanto, não afeta o aspecto emocional da narrativa. Pelo contrário: integra-se com naturalidade e coerência com a temática do filme, que dessa forma se configura como uma delicada e melancólica crônica sobre a perda da inocência.

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