quarta-feira, dezembro 19, 2018

As viúvas, de Steve McQueen ***1/2


Em um primeiro momento, “As viúvas” (2018) pode aparentar ser mais um filme rotineiro na linha “um assalto perfeito”. A presença de Steve McQueen na direção, entretanto, afasta bastante o longa do lugar comum. Sua abordagem narrativa é fortemente sóbria, evitando excessos óbvios e desnecessários – nesse sentido, por exemplo, é de se observar como a elegante trilha sonora pontua com discrição e sensibilidade as sequências mais tensas da obra. Em essência o filme realmente pertence ao gênero policial de ação, mas sabe valorizar a densidade dramática dos momentos mais intimistas e a caracterização psicológica consistente de seus personagens. O roteiro apresenta um subtexto bem delineado e lúcido em seus contornos sócio-políticos e mesmo de contestação aos valores de uma sociedade patriarcal. E o que coroa essas boas soluções artísticas da obra é a encenação minuciosa de McQueen, tanto nas sequências de ação marcadas por um detalhismo visual e coreográfico impressionante quanto nas cenas focadas em diálogos rascantes. Todo esse rigor formal e narrativo acaba gerando algumas passagens antológicas, como aquele plano-sequência em que o político em campanha Jack Mulligan (Colin Farrell) percorre um trajeto em que vai de uma praça popular no centro de Chicago, onde fazia um comício, até a sua burguesa casa em uma zona nobre da cidade, em expressiva simbologia audiovisual a sinalizar de maneira contundente uma equação baseada em demagogia, alienação e exploração sócio-econômica. No mais, “As viúvas” também pode servir como um alento para aqueles que estão sentindo falta daqueles filmes policiais mistos de casca-grossa e cerebrais que o mestre Michael Mann tanto gosta de fazer.

Um comentário:

eron duarte fagundes disse...

Gostei de "As viúvas", André. Mas meu favorito do McQueen ainda é "12 anos de escravidão". Tua evocação de Michael Mann me deu vontade de rever alguns filmes dele.