quarta-feira, agosto 05, 2015

Adeus à linguagem, de Jean-Luc Godard ****


Talvez a melhor forma para tentar entender “Adeus à linguagem” (2014) é procurar situá-lo dentro da presente conjuntura cultural, assim como enveredar para o território das especulações, no sentido de buscar uma ideia aproximada do que passa pela cabeça do cineasta Jean-Luc Godard. Como uma forma de ordenar conceitos e percepções que tenho sobre o filme em questão, tamanha a profusão de excertos textuais e imagéticos que se expandem durante a exibição da produção, considero mais apropriado fazer uma breve descrição do contexto temporal em que assisto à obra. O filme estreou aqui em Porto Alegre no mesmo dia em que outras produções francesas também entraram em cartaz. Vendo os trailers ou lendo as sinopses, há a impressão de se tratar de comédias ligeiras e superficiais, algo até remetendo a uma abordagem que a Globo Filmes tem adotado para o gênero em questão. Na própria sessão de “Adeus à linguagem” há um trailer de uma dessas produções. A impressão que se tem é que a linguagem cinematográfica dominante entrou em um beco sem saída estético e temático, cuja maior ambição é simplesmente entreter seu espectador com uma historinha engraçadinha ou edificante “bem contada”. “Adeus à linguagem” acaba soando como um contundente grito de revolta com esse status quo. Godard despeja sem cerimônia sobre a mente de seu espectador uma torrente de citações, referências e sensações que evidenciam suas obsessões com literatura, filosofia, política, história e cinema. Na superfície, tudo pode parecer fragmentado, mas a verdade é que para o diretor um conceito como unidade soa um tanto restritivo. Seu cinema é livre de amarras de continuidade, eixo, coerência realista. Uma personagem toca a tecla de um piano e sai um som de orquestra – a beleza e poesia do cinema estão no seu sensorialismo e não na sua coerência e verossimilhança. A despedida para Godard em relação à linguagem faz supor o seu cansaço em relação a regras de narrativa que no final das contas pouco significam diante das possibilidades criativas que encenação e edição podem sugerir. Você não é obrigado a entender tudo aquilo que é registrado visualmente para poder se encantar com o poder de uma imagem em movimento. Nesse sentido, “Adeus à linguagem” é uma radical e sincera declaração de amor ao cinema por parte de um de seus mais inquietos artistas.

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