Parece que a pausa para realizar o documentário político “Mercado
de notícias” (2014) fez bem para a criatividade de Jorge Furtado. Em “Real
beleza” (2015), sua volta aos longas de ficção, o diretor dá a impressão de ter
reciclado suas concepções artísticas, voltando com uma obra mais sóbria e
refinadas em termos formais e temáticos. Ao invés das tramas pueris e do
formalismo indulgente de filmes como “Meu tio matou um cara” (2004) e “Saneamento
básico” (2007), predomina um roteiro repleto de sutilezas dramáticas e irônicas
permeado por um acabamento estético mais elaborado. Logo na sequência de
abertura dá para perceber essa renovação bem vinda no cinema de Furtado, em que
os movimentos e enquadramentos de câmera, aliados a uma encenação meticulosa,
constroem uma latente atmosfera de tensão. Essa orientação artística prevalece
em boa parte de “Real beleza”. O tema “beleza” impregna o próprio conceito
existencial do filme, mas de forma que não resvala no óbvio. Há cenas que
ressaltam a plasticidade tanto das mulheres e garotas que aparecem às dezenas
na produção quanto das paisagens verdejantes da serra gaúcha que servem como
cenário. Sempre há a contraposição, entretanto, da reflexão crítica sobre a
perenidade da beleza e da exposição dos sentimentos turbulentos dos
personagens. É de se ressaltar ainda que essa é obra de Furtado que se dá
melhor em termos de interpretações: as atuações de Adriana Esteves e Vladimir
Brichta combinam de maneira notável discrição e intensidade, enquanto Francisco
Cuoco surpreende ao sair do seu habitual registro canastrão.
É claro que “Real beleza” está longe da perfeição. As
excessivas referências literárias, por exemplo, trancam um pouco a desenvoltura
da narrativa, soando forçadas e um tanto narcisistas. No final das contas,
entretanto, também revelam que as ambições artísticas de Furtado são altas – é melhor
pecar pela ousadia do que pelo comodismo. Junto a “Mercado de notícia”, essa
produção mais recente do cineasta deixa evidente seu amadurecimento artístico,
confirmando até algumas das boas promessas que se insinuavam no vigoroso e
irregular “Houve uma vez dois verões” (2002), e que pareciam ter ficado pelo
caminho em algumas de suas produções posteriores.
Um comentário:
Muito show. Jorge Furtado só nos dá orgulho.
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