Analisando o conjunto da obra do cineasta brasileiro Eryk
Rocha, fica evidente um padrão autoral bastante característico, principalmente
no campo documental. A sua prática de cinema verdade não se vincula a um caráter
informativo e didático. Quando expõe a realidade daquilo que é filmado e
editado, o diretor se mostra mais interessado no efeito sensorial de seu registro.
É claro que no meio disso tudo há uma “mensagem”, mas ela sempre vem carregada
de simbolismos e mistério. “Campo de jogo” (2014) é um exemplar contundente
desse modus operandi de Rocha. A princípio, o documentário em questão teria
como temática a exposição minuciosa dos lances cruciais de uma decisão de
campeonato de várzea de uma comunidade de periferia da cidade do Rio de
Janeiro, mostrando também os bastidores e reações das torcidas. As concepções
artísticas adotadas por Rocha, entretanto, vão mais além. A produção é
impregnada de truques formais engenhosos que dão à narrativa um estranho tom
misto de épico e ironia. Na realidade, a estética adotada por Rocha faz até
mesmo questionar os limites daquilo que é o mero registro da “verdade”, pois em
várias cenas dá para notar que o diretor se utiliza de uma encenação particular,
com direito a flashbacks e efeitos técnicos notáveis – nesse último caso, é
antológica a seqüência que “explica” o motivo da bronca de jogadores com uma
decisão do juiz. Diante de tais escolhas artísticas, não há como não fazer uma
conexão entre “Campo de jogo” com alguns dos principais trabalhos de Glauber
Rocha: se as narrativas delirantes de “Deus e o diabo na terra do sol” (1964) e
“A idade da terra” (1980) serviam como alegorias da cultura sincrética e
contraditória do Brasil, o filme de Eryk usa o futebol de várzea como um
retrato de boa parte da essência social e comportamental daquele povo
brasileiro que vive num tênue limite entre a humildade e a marginalidade.
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