terça-feira, janeiro 24, 2017

A criada, de Chan Wook Park ****

O diretor sul-coreano Chan Wook Park faz um jogo de aparências desconcertante em “A criada” (2016). Aqueles acostumados com a violência gráfica impactante e as atmosferas doentias de obras extraordinárias como “Old boy” (2003) e “Sede de sangue” (2009) podem estranhar a opção do cineasta pelo gênero filme de época nesse seu trabalho mais recente. O primeiro terço da narrativa até sugere uma abordagem formal mais tradicional e algo suntuosa, alem da trama enveredar por alguns truques típicos do melodrama. Com sutileza, entretanto, Park envenena o filme com o seu habitual viés autoral, fazendo com que aquilo que inicialmente parecia uma convencional narrativa de suspense, ainda que muito bem executada na sua dinâmica e concepção visual, vá se convertendo numa obra de simbologia perversa e libertária e cuja estética revela uma impressionante criatividade imagética. As sequencias de sexo entre as protagonistas, por exemplo, são antológicas pela forma com que combinam crueza erótica, desenvoltura cênica e grandiosidade barroca. A edição tem um talhe clássico em sua execução e valoriza com sensibilidade as idas e vindas temporais na trama, ressaltando dessa forma as insólitas e engenhosas nuances irônicas de tais truques narrativos. Dentro desse conjunto de soluções artísticas, fica evidente que a grande jogada criativa de Park em “A criada” está na sutil desconstrução dos ditames ocidentais da estrutura narrativa de um gênero para os recriar sob um olhar vigoroso e sardônico.

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