O diretor sul-coreano Chan Wook Park faz um jogo de aparências
desconcertante em “A criada” (2016). Aqueles acostumados com a violência gráfica
impactante e as atmosferas doentias de obras extraordinárias como “Old boy” (2003)
e “Sede de sangue” (2009) podem estranhar a opção do cineasta pelo gênero filme
de época nesse seu trabalho mais recente. O primeiro terço da narrativa até sugere uma abordagem formal mais tradicional e algo suntuosa, alem da trama
enveredar por alguns truques típicos do melodrama. Com sutileza, entretanto,
Park envenena o filme com o seu habitual viés autoral, fazendo com que aquilo
que inicialmente parecia uma convencional narrativa de suspense, ainda que
muito bem executada na sua dinâmica e concepção visual, vá se convertendo numa
obra de simbologia perversa e libertária e cuja estética revela uma
impressionante criatividade imagética. As sequencias de sexo entre as
protagonistas, por exemplo, são antológicas pela forma com que combinam crueza erótica,
desenvoltura cênica e grandiosidade barroca. A edição tem um talhe clássico em
sua execução e valoriza com sensibilidade as idas e vindas temporais na trama,
ressaltando dessa forma as insólitas e engenhosas nuances irônicas de tais
truques narrativos. Dentro desse conjunto de soluções artísticas, fica evidente
que a grande jogada criativa de Park em “A criada” está na sutil desconstrução dos
ditames ocidentais da estrutura narrativa de um gênero para os recriar sob um
olhar vigoroso e sardônico.
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