sábado, janeiro 14, 2017

As confissões, de Roberto Andò ***

Assim como ocorre em “Eu, Daniel Blake” (2016), a produção italiana “As confissões” (2015) mostra contundente ressonância com o cenário sócio-político contemporâneo mundial. O diretor Roberto Andò já havia mostrado uma queda para a sátira política em “Viva a liberdade” (2013), mas nessa obra recente a sua abordagem se revela mais sombria e complexa. A trama tem na sua superfície uma formatação tradicional para o suspense. Ocorre, entretanto, que a história de mistério envolvendo o suicídio do presidente do FMI durante o encontro num imenso hotel luxuoso e isolado com os ministros da economia dos países mais ricos do mundo na verdade vai se configurando aos poucos como uma ácida parábola moral a refletir o descaso do Estado neoliberal e a ganância de grandes corporações e bancos diante do interesses de sobrevivência da maioria da população mundial. Mesmo a figura do protagonista, o monge Roberto Salus (Toni Servillo), tem o caráter simbólico de servir como uma espécie de consciência existencial, parecendo uma homenagem ao papel desempenhado atualmente pelo Papa Francisco. A direção de Andò demonstra segurança e até uma certa ousadia na forma com que contrasta a opulência visual dos cenários com a podridão ética dos personagens e algumas situações, além de algumas sequências mostrarem uma expressiva síntese entre a ironia e o fantástico. É de se destacar também as ótimas composições dramáticas nas interpretações de Servillo e Daniel Auteuil. Alguns detalhes do roteiro e determinadas nuanças estéticas fazem lembrar filmes italianos clássicos no gênero político como “Juízo final” (1976) e “Saló ou os 120 dias de Sodoma” (1976), o que pode até causar alguma frustração, pois Andò está bem distante de mostrar a mesma profundidade psicológica e formalismo peculiar de Elio Petri e Pier Paolo Pasolini. Ainda assim, “As confissões” é uma obra capaz de inquietar os espectadores pela força de sua narrativa e pela lucidez crítica de sua visão de mundo.

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