quarta-feira, janeiro 04, 2017

Capitão fantástico, de Matt Ross ***

Por vezes, o diretor Matt Ross se rende a algumas convenções melodramáticas e a alguns óbvios truques narrativos que tiram um pouco da força sensorial de “Capitão fantástico” (2016). Ainda assim, o filme tem um resultado final memorável, principalmente por algumas ousadias de forte empatia. A começar pela síntese entre crueza e forte plasticidade na forma com que o seu registro visual retrata uma natureza selvagem e a interação dos personagens com esse cenário, chegando a lembrar o estilo do alemão Werner Herzog nesse tipo de concepção cênica. É admirável também o trabalho de direção de atores, em que a fluidez e expressividade das interpretações de Viggo Mortensen e do elenco de adolescentes e criança rendem cenas antológicas pela dinâmica da interação entre eles. O roteiro do filme também configura um ponto alto para a narrativa, no sentido do inusitado de algumas passagens, na complexidade psicológica e existencial na caracterização de alguns personagens, na verve irônica e contestadora de boa parte dos diálogos e de um saudável teor libertário do subtexto – nesse sentido, “Capitão fantástico” apresenta sintonia artística e temática com uma das obras-primas da temporada, “A bruxa”, pela contundência e lucidez de um discurso anticristão. E para coroar os acertos da produção, há uma belíssima trilha sonora que combina com precisão temas etéreos encantadores, cortesia dos islandeses do Sigur Ros, e ótimas canções rock. Diante do obscurantismo e reacionarismo que tomaram conta do cenário sócio-político-cultural no mundo em 2016, o caráter sardônico e desafiador de “Capitão fantástico” acaba lhe dando uma efetiva transcendência artística.

Nenhum comentário: