Estética e temática em “Me chame pelo seu nome” (2017) obedecem
a um conceito artístico insinuante e desafiador – a da possibilidade de uma
transcendência existencial fora de ortodoxos e hipócritas preceitos morais e religiosos.
A jornada de autodescoberta do jovem protagonista Elio (Timothée
Chalamet) passa pela carnalidade de uma tensão entre o apolíneo e
o dionisíaco em uma temporada de verão na casa de campo dos pais. Nesse
período, ele desfrutará das delícias e agruras de uma rotina baseada em
literatura, música, história, paisagens naturais deslumbrantes, afiados
diálogos eruditos e sexo. A abordagem narrativa e formal colocada em prática
pelo diretor Luca Guadagnino complementa todas as nuances da trama com precisão
e uma sensibilidade desconcertante. Fotografia e edição se desenvolvem na busca
de um cinema sensorial, além de incorporarem em seu modus operandi os ideais de
beleza discutidos pelos personagens em cena. Nesse sentido, a encenação tem um
cuidado absurdo na valorização do gestual e expressão dos personagens. Elio e
Oliver (Armie Hammer) se movimentam, por vezes, como se emulassem as figuras
das estátuas da cultura greco-romana que o professor Perlman (Michael Stuhlbarg),
pai de Elio, tanto admira e discute. O subtexto humanista de tais analogias
visuais e textuais é cortante, quase perverso, em suas constatações,
principalmente na impossibilidade de se passar incólume diante das
possibilidades libertárias propiciadas pelo contato com o universo da arte e da
cultura. Aliás, é de se destacar o fenomenal trabalho de direção de arte do
filme, pois mais do que buscar uma fidelidade temporal ou a mera beleza plástica
gratuita, há uma preocupação em evidenciar com sutileza um conjunto visual em
sintonia com o espírito da obra. É de se reparar, por exemplo, na forma com que
livros, instrumentos musicais, estátuas, quadros e mesmo estilosas peças de vestuário
se espalham pelos ambientes em que se desenvolve a trama. A mesma impressão é
passada pela trilha sonora, que tanto sabe valorizar expressivos silêncios como
sublinhar de maneira sutil a força dramática e mesmo irônica de importantes
sequências com temas que se alternam com naturalidade entre o erudito, o folk e
o rock. O notável senso cênico de Guadagnino e o roteiro complexo e de rara profundidade
psicológica de James Ivory coroam as sofisticadas escolhas artísticas de “Me
chame pelo seu nome” com dois momentos antológicos nas sequências finais do
filme: o quase monólogo filosófico e sentimental de Perlman para consolar Elio
e o longo plano-sequência fixo de pura ação interna desse último. A forma como
essas duas cenas se inter-relacionam tem uma contundente coerência
artística-existencial e sintetiza de maneira extraordinária o significado desse
memorável trabalho de Guadagnino.
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