segunda-feira, agosto 24, 2015

Real beleza, de Jorge Furtado ***




Parece que a pausa para realizar o documentário político “Mercado de notícias” (2014) fez bem para a criatividade de Jorge Furtado. Em “Real beleza” (2015), sua volta aos longas de ficção, o diretor dá a impressão de ter reciclado suas concepções artísticas, voltando com uma obra mais sóbria e refinadas em termos formais e temáticos. Ao invés das tramas pueris e do formalismo indulgente de filmes como “Meu tio matou um cara” (2004) e “Saneamento básico” (2007), predomina um roteiro repleto de sutilezas dramáticas e irônicas permeado por um acabamento estético mais elaborado. Logo na sequência de abertura dá para perceber essa renovação bem vinda no cinema de Furtado, em que os movimentos e enquadramentos de câmera, aliados a uma encenação meticulosa, constroem uma latente atmosfera de tensão. Essa orientação artística prevalece em boa parte de “Real beleza”. O tema “beleza” impregna o próprio conceito existencial do filme, mas de forma que não resvala no óbvio. Há cenas que ressaltam a plasticidade tanto das mulheres e garotas que aparecem às dezenas na produção quanto das paisagens verdejantes da serra gaúcha que servem como cenário. Sempre há a contraposição, entretanto, da reflexão crítica sobre a perenidade da beleza e da exposição dos sentimentos turbulentos dos personagens. É de se ressaltar ainda que essa é obra de Furtado que se dá melhor em termos de interpretações: as atuações de Adriana Esteves e Vladimir Brichta combinam de maneira notável discrição e intensidade, enquanto Francisco Cuoco surpreende ao sair do seu habitual registro canastrão.

É claro que “Real beleza” está longe da perfeição. As excessivas referências literárias, por exemplo, trancam um pouco a desenvoltura da narrativa, soando forçadas e um tanto narcisistas. No final das contas, entretanto, também revelam que as ambições artísticas de Furtado são altas – é melhor pecar pela ousadia do que pelo comodismo. Junto a “Mercado de notícia”, essa produção mais recente do cineasta deixa evidente seu amadurecimento artístico, confirmando até algumas das boas promessas que se insinuavam no vigoroso e irregular “Houve uma vez dois verões” (2002), e que pareciam ter ficado pelo caminho em algumas de suas produções posteriores.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Muito show. Jorge Furtado só nos dá orgulho.