quinta-feira, janeiro 26, 2017

Manchester à beira-mar, de Kenneth Lonergan ***1/2

O longa-metragem mais recente do diretor norte-americano Kenneth Lonergan, “Manchester à beira-mar” (2016), mostra-se como uma extensão coerente de “Conte comigo” (2000), extraordinário filme anterior do mesmo cineasta. Ambas as obras têm como temática relacionamentos familiares disfuncionais, focando, inclusive, na relação entre tio e sobrinho, e possuem estruturas narrativas clássicas e elegantes, além de abordagens emocionais sóbrias, indicando um claro traço autoral por parte de Lonergan. A diferença entre os dois trabalhos é que no mais antigo a narrativa era mais enxuta e de certo viés irônico, enquanto “Manchester à beira-mar” se formata como um dolorido épico existencial que transita de maneira atribulada entre passado e presente, beirando por vezes o melodramático. Mas isso não quer dizer que o filme em questão descambe para o dramalhão – Lonergan tem um domínio rigoroso da narrativa, e a carrega com uma profunda carga metafórica pelo subtexto de seu roteiro. O uso de idas e vindas no tempo tem um sutil sentido na construção psicológica de situações e personagens, em que questões como religiosidade e relações humanas mal resolvidas são expostas com crueza e pungência, e mesmo alguns truques narrativos que poderiam soar óbvios e apelativos acabam recebendo um tratamento contido e de resultado eficaz, vide o belo uso de temas de música clássica em cenas cruciais do filme. Dentro de tal visão artística-humanista, a estética naturalista de “Manchester à beira-mar” cai como uma luva na narrativa, em que a dureza imagética da direção de fotografia e a serena edição realçam de maneira contundente as sensações de melancolia e de impossibilidade de redenção que pairam sobre a trama da obra. A direção de atores, uma das grandes qualidades características de Lonergan, é primorosa e se mostra em perfeita sintonia com a concepção estética-temática da produção, com destaque absoluto para Casey Affleck no papel do protagonista Lee Chandler, em uma interpretação repleta de notáveis nuances (é de se reparar as variações de composições dramáticas de Affleck de acordo com as mudanças de planos temporais ao longo da narrativa), e a sequência com a conversa final entre Lee e a ex-esposa Randi (Michelle Williams) é antológica na intensidade e delicadeza nas interpretações de Affleck e Williams e na própria encenação elaborada por Lonergan.