Não é muito frequente que um filme de Paul Schrader apareça
nos cinemas brasileiros. E dá para entender o motivo – sua carreira como
diretor é errática e imprevisível, ainda que tenha uma quantidade considerável
de obras memoráveis. “Cães selvagens” (2016) é uma demonstração enfática do
caráter conturbado da arte de Schrader. Ao invés das rigorosas narrativas
bressorianas de “O gigolô americano” (1980) e “O acompanhante” (2007), nessa
produção mais recente o cineasta envereda por uma concepção mais anárquica e
delirante, como se quisesse evocar uma longa trip alucinada movida a cocaína e
crack. Ainda assim, seu direcionamento estético nunca perde a coerência existencial
e um forte traço autoral – ainda que se abuse de truques gráficos e de uma
direção de fotografia de cores estouradas, além de uma barulhenta trilha sonora
baseada em temas rock e eletrônico, paira sobre a narrativa e a atmosfera do
filme um certo classicismo que impede que tudo caia na mera estilização
estéril. Mesmo o tom over das atuações do elenco, com destaque para a
interpretação extraordinária de Willem Dafoe, consegue se enquadrar de maneira
precisa dentro do conceito ambíguo da obra. As escolhas formais de Schrader
acentuam com sensibilidade e humor o tom misto de melancolia e sordidez do
roteiro, que faz um retrato vigoroso e irônico da rotina de marginais e
perdedores. Nesse sentido, as sequências finais de “Cães selvagens” são
exemplares na forma com que sintetizam o particular ideário-artístico e temático
arquitetado pelo diretor e também por evidenciarem a moral difusa e hipócrita do
“american way of life”.
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