segunda-feira, abril 03, 2017

Era o Hotel Cambridge, de Eliana Caffé ***

É claro que um filme como “Era o hotel Cambridge” (2016) ganha uma ressonância diferenciada diante de uma conjuntura sócio-política nacional e mundial tão conturbada quanto a do presente, principalmente devido à sua temática. Dentro da questão da invasão e ocupação de imóveis abandonados por movimentos sociais, a diretora Eliana Caffé também não se furta em deixar claro de que lado está. O que se tem aqui é um cinema político e mesmo panfletário em sua essência. A cineasta, entretanto, não se prescinde de desenvolver com sensibilidade o aspecto intimista da trama do filme. Nesse viés, a encenação e a interação entre personagens fictícios e pessoas “reais” são repletas de fortes nuances dramáticas e mesmo um insólito aspecto de comicidade, o que amplia de maneira profunda e comovente o teor humanista da produção. “Era o Hotel Cambridge” também se mostra capaz em ousar dentro da sua parte estética. Nesse último caso, há uma simbiose contundente entre conteúdo de discurso e a síntese narrativa-formal da obra – a opção de fazer um entrelaçamento entre ficção e documentário configura um método artístico ousado e de caráter guerrilheiro, o que se pode verificar nas melhores sequências do filme que são aquelas que mostram o processo de ocupação de um imóvel e o conflito no final contra a polícia numa ação de reintegração de posse. Mais importante para a diretora do que fechar pontas do roteiro ou deixar “redonda” a narrativa é evidenciar uma atmosfera de angústia e incerteza diante de uma sociedade que legitima a opressão e o preconceito contra os deserdados e os “diferentes”.

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