É claro que um filme como “Era o hotel Cambridge” (2016)
ganha uma ressonância diferenciada diante de uma conjuntura sócio-política
nacional e mundial tão conturbada quanto a do presente, principalmente devido à
sua temática. Dentro da questão da invasão e ocupação de imóveis abandonados
por movimentos sociais, a diretora Eliana Caffé também não se furta em deixar
claro de que lado está. O que se tem aqui é um cinema político e mesmo
panfletário em sua essência. A cineasta, entretanto, não se prescinde de
desenvolver com sensibilidade o aspecto intimista da trama do filme. Nesse
viés, a encenação e a interação entre personagens fictícios e pessoas “reais”
são repletas de fortes nuances dramáticas e mesmo um insólito aspecto de
comicidade, o que amplia de maneira profunda e comovente o teor humanista da
produção. “Era o Hotel Cambridge” também se mostra capaz em ousar dentro da sua
parte estética. Nesse último caso, há uma simbiose contundente entre conteúdo
de discurso e a síntese narrativa-formal da obra – a opção de fazer um
entrelaçamento entre ficção e documentário configura um método artístico ousado
e de caráter guerrilheiro, o que se pode verificar nas melhores sequências do
filme que são aquelas que mostram o processo de ocupação de um imóvel e o
conflito no final contra a polícia numa ação de reintegração de posse. Mais importante
para a diretora do que fechar pontas do roteiro ou deixar “redonda” a narrativa
é evidenciar uma atmosfera de angústia e incerteza diante de uma sociedade que
legitima a opressão e o preconceito contra os deserdados e os “diferentes”.
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