quinta-feira, março 01, 2018

Eu, Tonya, de Craig Gillespie **1/2


“Eu, Tonya” (2017) parte de um pressuposto básico – a de que todo o espectador conhece a história real da patinadora artística norte-americana Tonya Harding (Margot Robbie) que supostamente teria mandado quebrar a perna da sua concorrente Nancy Kerrigan. O filme se propõe como uma cinebiografia de sua protagonista, mas desde o início da narrativa o fato da agressão é mencionado à exaustão. Ou seja, em relação ao fato-chave da trama não existe a construção de tensão dramática, mas simplesmente a configuração de uma quase comédia de absurdo. O espírito do filme dirigido por Craig Gillespie é exatamente esse– uma sátira beirando o desvario sobre o mundo dos white trash nos Estados Unidos, o lado ostensivamente escroto e insensível do american way of life. Em teoria, a proposta artística da obra até seria interessante, mas do jeito que Gillespie coloca as coisas em prática o resultado final é um tanto desajeitado e irregular. A produção abarca diversas abordagens estéticas dentro da mesma narrativa – reconstituição pseudo-documental, encenação naturalista, metalinguagem, atmosfera por vezes delirante, formalismo beirando o barroco (principalmente nas sequências envolvendo as apresentações da protagonista nos rinques de patinação – por sinal, os melhores momentos do filme). O problema é que nessa gama de recursos técnicos e textuais falta uma unidade ou coerência que dê fluidez e profundidade para a narrativa. Há sequências efetivamente bem engraçadas, com destaque para aquelas que privilegiam uma síntese entre humor negro e violência física, e uma certa visão de ácida crítica sobre a hipocrisia moral da sociedade norte-americana. Tais aspectos positivos, entretanto, se perdem pelo tom superficial de densidade dramática e psicológica tanto do roteiro quanto da direção de Gillespie. A impressão geral é de que “Eu, Tonya” teve como principais referências aquelas vertiginosas cinebiografias de figuras hedonistas e desajustadas como “Os bons companheiros” (1990) e “O lobo de Wall Street” (2013), só que Gillespie está bem distante da pegada artística mista de contundência e apuro formal de Martin Scorsese.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Já me peguei vendo esse filmes umas três vezes e sinceramente merecia ter tido mais reconhecimento no Oscar.