“Eu, Tonya” (2017) parte de um pressuposto básico – a de que
todo o espectador conhece a história real da patinadora artística norte-americana
Tonya Harding (Margot Robbie) que supostamente teria mandado quebrar a perna da
sua concorrente Nancy Kerrigan. O filme se propõe como uma cinebiografia de sua
protagonista, mas desde o início da narrativa o fato da agressão é mencionado à
exaustão. Ou seja, em relação ao fato-chave da trama não existe a construção de
tensão dramática, mas simplesmente a configuração de uma quase comédia de
absurdo. O espírito do filme dirigido por Craig Gillespie é exatamente esse–
uma sátira beirando o desvario sobre o mundo dos white trash nos Estados
Unidos, o lado ostensivamente escroto e insensível do american way of life. Em
teoria, a proposta artística da obra até seria interessante, mas do jeito que
Gillespie coloca as coisas em prática o resultado final é um tanto desajeitado
e irregular. A produção abarca diversas abordagens estéticas dentro da mesma
narrativa – reconstituição pseudo-documental, encenação naturalista,
metalinguagem, atmosfera por vezes delirante, formalismo beirando o barroco
(principalmente nas sequências envolvendo as apresentações da protagonista nos
rinques de patinação – por sinal, os melhores momentos do filme). O problema é
que nessa gama de recursos técnicos e textuais falta uma unidade ou coerência
que dê fluidez e profundidade para a narrativa. Há sequências efetivamente bem
engraçadas, com destaque para aquelas que privilegiam uma síntese entre humor
negro e violência física, e uma certa visão de ácida crítica sobre a hipocrisia
moral da sociedade norte-americana. Tais aspectos positivos, entretanto, se
perdem pelo tom superficial de densidade dramática e psicológica tanto do
roteiro quanto da direção de Gillespie. A impressão geral é de que “Eu, Tonya”
teve como principais referências aquelas vertiginosas cinebiografias de figuras
hedonistas e desajustadas como “Os bons companheiros” (1990) e “O lobo de Wall
Street” (2013), só que Gillespie está bem distante da pegada artística mista de
contundência e apuro formal de Martin Scorsese.
Um comentário:
Já me peguei vendo esse filmes umas três vezes e sinceramente merecia ter tido mais reconhecimento no Oscar.
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