No universo artístico do diretor francês Bruno Dumont, todos
os elementos formais e temáticos parecem obedecer a uma lógica muito particular
do cineasta. Nessa inusitada dimensão estética e existencial, cabe influências
pontuais que se combinam e fundem dentro de uma forte assinatura autoral de
Dumont. Há espaço para o ascetismo religioso e estilístico de Robert Bresson,
para preceitos típicos do neo-realismo de Roberto Rossellini, para uma
ambientação que por vezes beira o delirante e que chega a lembrar tanto o
surrealismo de Luis Buñuel quanto o onirismo perverso de David Lynch. Esse
estilo único foi sendo burilado ao longo de anos e atingiu se ápice criativo no
recente “O pequeno Quinquin” (2014), mas já havia apresentado momentos
brilhantes em outras obras de Dumont. “A humanidade” (1999) representa um
desses momentos. Por trás de uma trama que evoca traços do gênero suspense
policial, a narrativa aos poucos vai se configurando como uma espécie de conto
moral, com personagens que se desenvolvem mais como figuras icônicas do que
como seres “reais”, ainda que cenários e atmosfera tragam uma carga
naturalista. A encenação de Dumont se desenvolve por caminhos variados, indo de
atmosferas sórdidas até um tom solene misto de ironia e misticismo. A abordagem
de Dumont é sempre intrincada, mas gera um encanto estranho e perturbador para
o espectador, fazendo com que “A humanidade” seja uma contundente amostra do
poder do diretor como um dos realizadores cinematográficos mais desconcertantes
da atualidade.
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