Obras autobiográficas representam uma vertente dentro da história
do cinema que já rendeu algumas produções antológicas, vide trabalhos
memoráveis de Woody Allen (“A era do rádio”), Fellini (“Os boas vidas”, “Amarcord”)
e John Boorman (“Esperança e glória”, “Rainha e país”). É claro que é difícil
para uma diretora estreante atingir patamares de criatividade tão altos quanto
as obras aludidas, mas ainda assim Maya Forbes consegue um feito notável em “Sentimentos
que curam” (2014), filme cuja trama apresenta fatos marcantes de sua infância e
adolescência. A cineasta se utiliza de uma estrutura narrativa típica de um
melodrama convencional, fazendo com que sua obra se diferencie a partir de
nuances relevantes. Para começar, sua abordagem formal é crua e vigorosa –
direção de fotografia demonstra influências de cinema documental pelo tom
esmaecido das imagens, evocando uma ambiência nostálgica típica de um enfoque
memorialista. Além disso, a encenação tem uma dinâmica que varia com precisão
entre o sentimental e o naturalismo, baseando-se fundamentalmente na interação
das atuações espontâneas da dupla de meninas e na interpretação carismática e expansiva
de Mark Ruffalo no papel de um esquizofrênico boa-praça (o ator tem uma manha
especial para personagens desajustados). Outro aspecto positivo dentro da
concepção artística de Forbes é o seu roteiro, que mesmo se desenvolvendo dentro
de parâmetros narrativos habituais do melodrama consegue surpreender pela profundidade
dramática e pelas resoluções de seus dilemas que fogem dos moralismos fáceis.
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