Mesmo em um filme que não é dos mais expressivos de sua
carreira, o diretor Spike Lee consegue deixar uma marca autoral indelével e
capaz de suscitar alguns interessantes questionamentos artísticos e
existenciais. Isso é o que fica evidente em “Elas me odeiam, mas me querem”
(2004). A intenção do cineasta era fazer uma espécie de comédia farsesca a
satirizar preconceitos raciais e valores comportamentais e sociais típicos da
sociedade burguesa ocidental. O problema da obra, contudo, é que ela exigia uma
abordagem mais ousada na construção de uma narrativa de tons libertários e de uma
atmosfera que soubesse sintetizar erotismo e ácido sarcasmo. No geral,
prevalece uma condução mais convencional de Lee, o que faz com que por vezes o
filme caia no lugar comum. Ainda assim, o diretor consegue obter alguns bons
momentos, principalmente por um notável virtuosismo na composição imagética de
algumas cenas, no diferenciado trabalho de edição, na bela trilha sonora e em
algumas passagens memoráveis do roteiro. Nesse último quesito, destaques para as
sequências em que o protagonista Jack (Anthony Mackie) se torna um bem pago reprodutor
para filhos de lésbicas, trazendo uma bem sacada combinação de ironia perversa
e quente sensualidade (Spike Lee sempre teve ótima mão para filmar cenas de
sexo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário