Para muita gente, o rock and roll significa bandas que
vendem milhares de discos, que tem shows lotados em grandes espaços (arenas,
estádios), que são famosas em termos midiáticos e outras amenidades afins. Na
realidade, tal cenário representa uma exceção dentro da história desse gênero
musical, pois grande parte do que se já fez de melhor no rock está vinculado a
situações como a de tocar em muquifos para algumas dezenas, não ter vendagens
expressivas de suas gravações, ser ignorado pela imprensa e pelo público “normal”.
Ok, também é recorrente dizer que o rock foi absorvido pelo sistema, mas ele
sempre trará dentro de si um certo aspecto de marginalidade e contestação. Por
isso que o documentário “Time will burn” (2016) consegue ser tão cativante. O
filme retrata um recorte temporal e territorial bem delimitado – o cenário
underground de bandas paulistas e cariocas no período de 1990 a 1994 que se
aventuravam dentro um som barulhento bastante influenciado por grupos
estrangeiros como Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine e Stooges. Cantando
em inglês e desenvolvendo suas carreiras dentro de um esquema independente
envolvendo gravações em cassetes “demo” ou discos por selos alternativos, apresentações
em pequenos bares e boates e divulgação por fanzines, cartazes e flyers
xerocados, nenhuma delas atingiu o sucesso comercial ou entrou para os anais da
história “oficial” do rock and roll, mas acabaram se tornando cultuadas e
influentes para alguns de seus seguidores. Para contar essa história, os
diretores Marko Panayotis e Otávio Sousa articulam uma narrativa eficaz e
envolvente e um acabamento estético que sabe sintetizar requinte e o espírito “do
it yourself”, concentrando-se basicamente na trajetória das quatros principais
bandas desse movimento (Pin Ups, Killing Chainsaw, Mickey Junkies e Second
Come) e sabendo valorizar a crueza e espontaneidade nas filmagens de
depoimentos e os impressionantes registros de época com as apresentações de
tais bandas. Além disso, o filme consegue amarrar um coerente conceito existencial
e artístico que dá a devida dimensão histórica daquele fenômeno cultural,
mostrando como ele ainda é ressonante na atualidade.
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