O discurso do senso comum, ou da “sabedoria popular” como
preferem alguns, é fortemente influenciado por uma opressora doutrinação
machista-patriarcal. Nessa vertente de “pensamento”, teorias duvidosas e
filosofia de botequim se incorporam no imaginário popular como verdades quase
inatacáveis. Uma das mais frequentes delas diz, naquelas generalizações
obscurantistas que muita gente adora, que a mulher tem um modo de agir tomado
pela emoção e intuição, enquanto o homem seria aquele cujas atitudes revelariam
uma maior racionalidade. O grande mote artístico-existencial do documentário “Câmera
de espelhos” (2016) é a ácida dissecação desse ideário sócio-cultural, em que a
visão crítica da diretora Dea Ferraz não se limita na exposição de sua temática
contestatória, mas também no próprio método estético concebido pela cineasta.
Não é à toa que em algumas passagens do filme são explicitados as técnicas
formais e o próprio direcionamento de conteúdo da obra. É como se Ferraz
quisesse evidenciar o seu cartesianismo de maneira contundente, elaborando uma
obra tanto marcada pelo rigor de sua execução narrativa quanto pela clareza de
suas ideias sobre a política dos sexos. A precisão no delinear de tal concepção
narrativa e filosófica, com sutis toques de psicodrama, se contrapõe de maneira
brilhante com a hipocrisia e preconceito dos diálogos entre os “personagens” do
seu filme. Há algo de perverso e mesmo manipulador na forma com que a diretora
extrai algumas perturbadoras constatações dos depoimentos que colhe ao longo do
filme, mas tal método se mostra legítimo e eficaz quando se percebe a
capacidade de “Câmara de espelhos” revelar com sensibilidade e lucidez uma
verdade que a sociedade e a mídia procuram dissimular com revoltante
desfaçatez.
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