quarta-feira, novembro 29, 2017

Câmara de espelhos, de Dea Ferraz ***1/2

O discurso do senso comum, ou da “sabedoria popular” como preferem alguns, é fortemente influenciado por uma opressora doutrinação machista-patriarcal. Nessa vertente de “pensamento”, teorias duvidosas e filosofia de botequim se incorporam no imaginário popular como verdades quase inatacáveis. Uma das mais frequentes delas diz, naquelas generalizações obscurantistas que muita gente adora, que a mulher tem um modo de agir tomado pela emoção e intuição, enquanto o homem seria aquele cujas atitudes revelariam uma maior racionalidade. O grande mote artístico-existencial do documentário “Câmera de espelhos” (2016) é a ácida dissecação desse ideário sócio-cultural, em que a visão crítica da diretora Dea Ferraz não se limita na exposição de sua temática contestatória, mas também no próprio método estético concebido pela cineasta. Não é à toa que em algumas passagens do filme são explicitados as técnicas formais e o próprio direcionamento de conteúdo da obra. É como se Ferraz quisesse evidenciar o seu cartesianismo de maneira contundente, elaborando uma obra tanto marcada pelo rigor de sua execução narrativa quanto pela clareza de suas ideias sobre a política dos sexos. A precisão no delinear de tal concepção narrativa e filosófica, com sutis toques de psicodrama, se contrapõe de maneira brilhante com a hipocrisia e preconceito dos diálogos entre os “personagens” do seu filme. Há algo de perverso e mesmo manipulador na forma com que a diretora extrai algumas perturbadoras constatações dos depoimentos que colhe ao longo do filme, mas tal método se mostra legítimo e eficaz quando se percebe a capacidade de “Câmara de espelhos” revelar com sensibilidade e lucidez uma verdade que a sociedade e a mídia procuram dissimular com revoltante desfaçatez.

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