Em “Santiago” (2017), o documentarista João Moreira Salles
construía uma narrativa intimista vinculada a uma temática de caráter bastante
pessoal a partir de registros concebidos e realizados originários de filmagens
próprias. Já em “Últimas conversas” (2014), o derradeiro longa-metragem de
Eduardo Coutinho, Salles foi responsável por fazer os arremates finais no
material coletado por Coutinho, principalmente no que diz respeito à montagem,
tendo em vista a morte desse último. De certa forma, “No intenso agora” (2017)
parece evocar um cruzamento entre os dois filmes mencionados anteriormente: a
partir de registros audiovisuais e imagens exclusivamente de terceiros, o
cineasta constrói a sua narrativa marcada pelo subjetivismo e pessoalidade. O
trabalho de edição é engenhoso e delicado – filmagens amadoras, trechos de
documentários, passagens de produções de caráter institucional, partes de reportagens,
tudo vai se juntando e relacionando tendo como princípio uma visão artística e
existencial delimitada com sensibilidade. Essa visão se personifica na narração
de própria voz de Salles. O tom monocórdio da locução e o texto que sintetiza
relato histórico e reminiscências pessoais formam um conjunto perturbador e
ambíguo que dá um sentido particular desconcertante para as imagens e sons que
brotam da tela. A impressão sensorial é de um longo devaneio de Salles que
mistura melancolia, desilusão, nostalgia, ironia amarga e uma sutil e vaga
noção de deslumbramento. Pode-se argumentar que há um tom vacilante e difuso na
narrativa que sugira um direcionamento ideológico, mas a verdade é que “No
intenso agora” não tem um propósito primordial de convencer alguém de alguma
coisa. Está mais para a tentativa de materialização fílmica de determinados
sentimentos e desejos que talvez nem o próprio Salles saiba direito do que se
trata. E é nessa imprecisão nebulosa de intenções que reside o encanto de seu
documentário.
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