“Curtindo a vida adoidado” (1986) pode ser o mais famoso e “O
clube dos cinco” (1985) tem uma maior densidade dramática, mas “Gatinhas e
gatões” (1984) é o filme que representa a quintessência do particular estilo de
filmar do cineasta norte-americano John Hughes. Nessa obra de estreia como
diretor, pode-se perceber uma certa crueza formal típica de um filme de início
de carreira e é justamente aí que reside um dos grandes charmes artísticos da
produção. Hughes sempre preserva no filme um forte e compacto senso de
narrativa, em que nenhuma cena ou diálogo se revelam supérfluos. Há um forte
aspecto na obra do gênero comédia física, vide as sequências antológicas de
festinhas juvenis de arromba ou as engraçadas e histriônicas cenas com o nerd
metido a conquistador interpretado por Anthony Michael Hall. Nesse tipo de
abordagem, o filme faz lembrar uma de suas prováveis grandes fontes de
inspiração, a obra-prima “O clube dos cafajestes” (1978). Esse lado de comédia
de pastelão convive em notável harmonia com um dos traços mais característicos
da filmografia de Hughes que é aquela síntese narrativa-existencial de afiados
diálogos bem-humorados, atmosfera de sóbrio romantismo e subtexto de sutil teor
de análise comportamental de uma juventude entre a ingenuidade e a malícia. O
diretor recorre a pequenos truques estéticos e temáticos que podem até soar
baratos em um primeiro momento, mas que dentro de uma encenação tão enxuta e
fluente se revelam genialmente eficazes. Nesse contexto, Hughes consegue
extrair de maneira natural interpretações memoráveis mesmo do exagerado Hall e
do canastrão Michael Schoeffling, além de fazer de Molly Ringwald uma
protagonista de magnética presença cênica. Mais que mero exercício de nostalgia
oitentista, assistir à “Gatinhas e gatões” é uma verdadeira aula de narrativa e
linguagem cinematográficas.
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