sexta-feira, fevereiro 23, 2018

Gatinhas e gatões, de John Hughes ****


“Curtindo a vida adoidado” (1986) pode ser o mais famoso e “O clube dos cinco” (1985) tem uma maior densidade dramática, mas “Gatinhas e gatões” (1984) é o filme que representa a quintessência do particular estilo de filmar do cineasta norte-americano John Hughes. Nessa obra de estreia como diretor, pode-se perceber uma certa crueza formal típica de um filme de início de carreira e é justamente aí que reside um dos grandes charmes artísticos da produção. Hughes sempre preserva no filme um forte e compacto senso de narrativa, em que nenhuma cena ou diálogo se revelam supérfluos. Há um forte aspecto na obra do gênero comédia física, vide as sequências antológicas de festinhas juvenis de arromba ou as engraçadas e histriônicas cenas com o nerd metido a conquistador interpretado por Anthony Michael Hall. Nesse tipo de abordagem, o filme faz lembrar uma de suas prováveis grandes fontes de inspiração, a obra-prima “O clube dos cafajestes” (1978). Esse lado de comédia de pastelão convive em notável harmonia com um dos traços mais característicos da filmografia de Hughes que é aquela síntese narrativa-existencial de afiados diálogos bem-humorados, atmosfera de sóbrio romantismo e subtexto de sutil teor de análise comportamental de uma juventude entre a ingenuidade e a malícia. O diretor recorre a pequenos truques estéticos e temáticos que podem até soar baratos em um primeiro momento, mas que dentro de uma encenação tão enxuta e fluente se revelam genialmente eficazes. Nesse contexto, Hughes consegue extrair de maneira natural interpretações memoráveis mesmo do exagerado Hall e do canastrão Michael Schoeffling, além de fazer de Molly Ringwald uma protagonista de magnética presença cênica. Mais que mero exercício de nostalgia oitentista, assistir à “Gatinhas e gatões” é uma verdadeira aula de narrativa e linguagem cinematográficas.

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