terça-feira, setembro 11, 2018

A destruição de Bernardet, de Pedro Marques e Cláudia Priscilla ***1/2


Nas sequências iniciais de “A destruição de Bernardet” (2016) há trechos de áudio de um depoimento em que um homem discorre sobre a importância de Jean-Claude Bernardet como crítico de cinema, ressaltando suas virtudes e relevância dentro do panorama cultural brasileiro, bem como também questiona de maneira veemente sobre a sua opção de nos últimos anos enveredar na área da representação em alguns filmes de escasso caráter comercial. A partir de tal veredicto, o documentário dirigido por Pedro Marques e Cláudia Priscilla constrói a sua narrativa, mantendo um caráter ambíguo em suas intenções artísticas e existenciais: a obra quer contestar tal depoimento, reforçar suas impressões ou quer fazer tudo isso ao mesmo tempo? Mais do que simplesmente se mostrar como personagem principal, Bernardet parece conduzir de maneira sutil e algo perversa o direcionamento do filme que versa sobre a sua vida. Há um certo teor de narcisismo na sua figura, tanto naquilo que ele fala como na maneira como se comporta em cena. Esse viés megalômano, entretanto, só reforça o humanismo e o intenso questionamento estético do documentário. Depois de passar anos analisando minuciosamente as produções alheias, é como se Bernardet resolvesse unir a sua visão sobre o cinema, seus questionamentos intelectuais e mesmo alguns aspectos intimistas e configurasse tudo isso em um legado fílmico. Nesse sentido, “A destruição de Bernardet” se conecta profundamente com os longas de Kiko Goifman e Cristiano Burlan nos quais ele atuou, com todos eles servindo como a coerente extensão do pensamento vivo de Bernardet, revelando assim forte coerência com a sua atividade de crítico cinematográfico. Acariciando e comendo borboletas, ironizando carinhosamente detratores, questionando a dominação sócio-econômica do capitalismo sobre a arte e a vida, expressando-se em estranhas danças e vocalizações, voltando-se com seca lucidez sobre reminiscências pessoais e valorizando o cinema como importante atividade artística para gerar desconforto e inquietações na sociedade pequeno-burguesa ocidental, Bernardet toma para si a obra em que ele a princípio deveria ser apenas a “temática principal” e a modela dentro do seu amplo projeto cultural-pessoal, mostrando que vai ser sempre o indomável indivíduo intelectual-artísta de difícil categorização.

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