Nas sequências iniciais de “A destruição de Bernardet”
(2016) há trechos de áudio de um depoimento em que um homem discorre sobre a
importância de Jean-Claude Bernardet como crítico de cinema, ressaltando suas
virtudes e relevância dentro do panorama cultural brasileiro, bem como também
questiona de maneira veemente sobre a sua opção de nos últimos anos enveredar na
área da representação em alguns filmes de escasso caráter comercial. A partir
de tal veredicto, o documentário dirigido por Pedro Marques e Cláudia Priscilla
constrói a sua narrativa, mantendo um caráter ambíguo em suas intenções
artísticas e existenciais: a obra quer contestar tal depoimento, reforçar suas
impressões ou quer fazer tudo isso ao mesmo tempo? Mais do que simplesmente se
mostrar como personagem principal, Bernardet parece conduzir de maneira sutil e
algo perversa o direcionamento do filme que versa sobre a sua vida. Há um certo
teor de narcisismo na sua figura, tanto naquilo que ele fala como na maneira
como se comporta em cena. Esse viés megalômano, entretanto, só reforça o
humanismo e o intenso questionamento estético do documentário. Depois de passar
anos analisando minuciosamente as produções alheias, é como se Bernardet
resolvesse unir a sua visão sobre o cinema, seus questionamentos intelectuais e
mesmo alguns aspectos intimistas e configurasse tudo isso em um legado fílmico.
Nesse sentido, “A destruição de Bernardet” se conecta profundamente com os longas
de Kiko Goifman e Cristiano Burlan nos quais ele atuou, com todos eles servindo
como a coerente extensão do pensamento vivo de Bernardet, revelando assim forte
coerência com a sua atividade de crítico cinematográfico. Acariciando e comendo
borboletas, ironizando carinhosamente detratores, questionando a dominação
sócio-econômica do capitalismo sobre a arte e a vida, expressando-se em
estranhas danças e vocalizações, voltando-se com seca lucidez sobre
reminiscências pessoais e valorizando o cinema como importante atividade
artística para gerar desconforto e inquietações na sociedade pequeno-burguesa
ocidental, Bernardet toma para si a obra em que ele a princípio deveria ser
apenas a “temática principal” e a modela dentro do seu amplo projeto cultural-pessoal,
mostrando que vai ser sempre o indomável indivíduo intelectual-artísta de difícil
categorização.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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