Em um primeiro momento, a impressão que se tem do
documentário “Camocim” (2017) é que o filme escolhe como protagonista a cabo
eleitoral Mayara Gomes e que na formatação da narrativa ela seria como uma
espécie de heroína idealista na sua luta em ajudar a colocar na câmara dos
vereadores de sua cidade um rapaz que ela acredita representar os seus ideais
sócio-políticos. Nos diálogos de Mayara com parentes, amigos, conhecidos e
eleitores há uma sugestão de que o partido adversário representaria uma velha
maneira de fazer política baseada no poder patriarcal e no clientelismo. Ou
seja, é como se a obra dentro de sua abordagem temática tivesse um certo
caráter maniqueísta a evocar uma luta entre o bem e o mal. Em algumas nuances
estéticas e textuais, entretanto, a obra vai adquirindo uma visão artística e
existencial mais complexa e amarga sobre a realidade que é focada pela câmera. Por
mais que as atitudes e ideias de Mayara se mostrem atrativas pela veemência e
espontaneidade com que são retratadas em tela, ao se observar o contexto tanto
em um âmbito familiar e pessoal da garota quanto do cenário coletivo da cidade
se pode perceber que o embate político está muito mais parecido com uma
rivalidade clubística, com tintas de um arrivista jogo de interesses
sócio-econômicos, do que com um conflito evidentemente ideológico. Entre os
dois partidos que disputam corações e mentes em Camocim em nenhum momento há
uma efetiva contraposição de princípios ideológicos, apenas há uma
diferenciação pelas suas respectivas cores e números (aliás, vale lembrar que
os números de tais partidos são de duas entidades de evidentes tendências de
direita). Nessa perspectiva, o documentário dirigido por Quentin Delaroche
consegue refletir de maneira perspicaz e contundente a pobreza do debate
político dentro da sociedade brasileira, em que a questão ideológica é
banalizada e menosprezada em nome de uma difusa e hipócrita combinação de
moralismo, religiosidade obscurantista, carreirismo e insensibilidade social.
Nesse sentido, a aridez formal de “Camocim” parece o reflexo da aridez de
humanismo e racionalidade no atual cenário eleitoral brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário