quarta-feira, setembro 19, 2018

Camocim, de Quentin Delaroche ***


Em um primeiro momento, a impressão que se tem do documentário “Camocim” (2017) é que o filme escolhe como protagonista a cabo eleitoral Mayara Gomes e que na formatação da narrativa ela seria como uma espécie de heroína idealista na sua luta em ajudar a colocar na câmara dos vereadores de sua cidade um rapaz que ela acredita representar os seus ideais sócio-políticos. Nos diálogos de Mayara com parentes, amigos, conhecidos e eleitores há uma sugestão de que o partido adversário representaria uma velha maneira de fazer política baseada no poder patriarcal e no clientelismo. Ou seja, é como se a obra dentro de sua abordagem temática tivesse um certo caráter maniqueísta a evocar uma luta entre o bem e o mal. Em algumas nuances estéticas e textuais, entretanto, a obra vai adquirindo uma visão artística e existencial mais complexa e amarga sobre a realidade que é focada pela câmera. Por mais que as atitudes e ideias de Mayara se mostrem atrativas pela veemência e espontaneidade com que são retratadas em tela, ao se observar o contexto tanto em um âmbito familiar e pessoal da garota quanto do cenário coletivo da cidade se pode perceber que o embate político está muito mais parecido com uma rivalidade clubística, com tintas de um arrivista jogo de interesses sócio-econômicos, do que com um conflito evidentemente ideológico. Entre os dois partidos que disputam corações e mentes em Camocim em nenhum momento há uma efetiva contraposição de princípios ideológicos, apenas há uma diferenciação pelas suas respectivas cores e números (aliás, vale lembrar que os números de tais partidos são de duas entidades de evidentes tendências de direita). Nessa perspectiva, o documentário dirigido por Quentin Delaroche consegue refletir de maneira perspicaz e contundente a pobreza do debate político dentro da sociedade brasileira, em que a questão ideológica é banalizada e menosprezada em nome de uma difusa e hipócrita combinação de moralismo, religiosidade obscurantista, carreirismo e insensibilidade social. Nesse sentido, a aridez formal de “Camocim” parece o reflexo da aridez de humanismo e racionalidade no atual cenário eleitoral brasileiro.

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